Num grande abalo a
revelar o “sem sentido” em que muitas vezes imersa, a voz lírica acabar por reconhecer
que se autoinflige pesares, dores, lanhos que lhe afloram à pele a cada vez que
fica a vagar por veredas que, não tendo um propósito claramente definido,
acabam por levá-la à beira de um “abismo”, frente ao qual hesita em nele
atirar-se ou não.
A rigor, s.m.j., as
perplexidades do falante residem muito mais na casa do “ser” do que na do “estar”:
ali – onde irrompe o “sismo”, em meio ao qual se surpreende alheio à máxima délfica
do “Conhece-te a ti mesmo” –, é que o ente lírico há de encetar sua
transformação psíquica, a “ressurreição” para uma vida nova, onde os desejos
manifestos se integrem de forma saudável a elementos do inconsciente.
J.A.R. – H.C.
Wellington Dantas
(n. 1960)
Sismo
Por não saber
o que eu tenho sido
é que, às vezes,
conspiro contra mim mesmo
– me firo.
Por não saber onde
tenho andado
fico parado
à beira desse abismo
e, não raro, penso:
por que não me atiro?
Para onde tenho ido
quase não o tenho
percebido.
De tal modo, que
sempre assim me surpreendo:
sem sentido.
O abismo
(Marcos Terol:
artista espanhol)
Referência:
DANTAS, Wellington.
Sismo. In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação). Antologia
da nova poesia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio &
Hipocampo, 1992. p. 325.
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