Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Louis Simpson - Trabalhando Até Tarde

Evocando memórias do seu tempo de infância, o falante relembra o pai e o seu empenho em bem se desincumbir das atribuições de seu provável ofício de promotor de justiça (ou advogado de acusação) atuante na seara criminal, passando noites em branco a examinar provas, esgrimir argumentos, ensaiando e contando passos e meneios para sair-se com distinção em seu ofício, no verdadeiro teatro que é um tribunal do júri.

 

As cenas descritas se passam na residência da família, nas imediações de Port Royal, na Jamaica, onde Louis Simpson nasceu: do trânsito compassado da narrativa do poeta, remanesce o paralelo arquitetado entre uma natureza que mantém sua dinâmica inalterável e a vida humana que muitas vezes replica o ‘modus vivendi’ de nossos ascendentes.

 

J.A.R. – H.C.

 

Louis Simpson

(1923-2012)

 

Working Late

 

A light is on in my father’s study.

“Still up?” he says, and we are silent,

looking at the harbor lights,

listening to the surf

and the creak of coconut boughs.

 

He is working late on cases.

No impassioned speech! He argues from evidence,

actually pacing out and measuring,

while the fans revolving on the ceiling

winnow the true from the false.

 

Once he passed a brass curtain rod

through a head made out of plaster

and showed the jury the angle of fire –

where the murderer must have stood.

For years, all through my childhood,

if I opened a closet... bang!

There would be the dead man’s head

with a black hole in the forehead.

 

All the arguing in the world

will not stay the moon.

She has come all the way from Russia

to gaze for a while in a mango tree

and light the wall of a veranda,

before resuming her interrupted journey

beyond the harbor and the lighthouse

at Port Royal, turning away

from land to the open sea.

 

Yet, nothing in nature changes, from that day to this,

she is still the mother of us all.

I can see the drifting offshore lights,

black posts where the pelicans brood.

 

And the light that used to shine

at night in my father’s study

now shines as late in mine.

 

Trabalhando até tarde no escritório

(George W. Adamson: ilustrador anglo-americano) 

 

Trabalhando Até Tarde

 

Uma luz está acesa no gabinete de meu pai.

“Ainda acordado?”, diz ele, e estamos em silêncio,

olhando as luzes do porto,

ouvindo a rebentação das ondas

e o estalar das frondes dos coqueiros.

 

Ele está se empenhando até tarde nos casos.

Nada de discursos arrebatados! Argumenta a partir das provas,

de fato, movendo-se de um lado ao outro a medir os passos,

enquanto as hélices girantes do ventilador de teto

apartam o verdadeiro do falso.

 

Certa vez, passou um varão de cortina de latão

através de uma cabeça feita de gesso

para mostrar ao júri o ângulo de tiro –

em cujo vão o assassino teria se postado.

Durante anos, ao longo de toda a minha infância,

se abrisse um armário... bang!

Haveria a cabeça do homem morto

com uma negra perfuração na testa.

 

Toda a arguição do mundo

não haverá de ficar estacionada na lua.

Ela terá vindo integralmente da Rússia

para observar por um tempo uma mangueira

e iluminar a parede de uma varanda,

antes de retomar a sua interrompida viagem

para além da angra e do farol

em Port Royal, desviando-se da terra

em direção ao mar aberto.

 

No entanto, não se veem mudanças na natureza,

desde aquele dia até o presente:

ela continua a ser a mãe de todos nós.

Posso ver as luzes costeiras flutuantes,

os postes negros onde nidificam os pelicanos.

 

E a luz que costumava brilhar

durante a noite no gabinete de meu pai,

brilha agora tão tarde no meu.

 

Referência:

 

SIMPSON, Louis. Working late. In: __________. People live here: selected poems 1949-83. Rochester, NY: BOA Editions, 1983. p. 168.

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