Evocando memórias do
seu tempo de infância, o falante relembra o pai e o seu empenho em bem se desincumbir
das atribuições de seu provável ofício de promotor de justiça (ou advogado de
acusação) atuante na seara criminal, passando noites em branco a examinar
provas, esgrimir argumentos, ensaiando e contando passos e meneios para sair-se
com distinção em seu ofício, no verdadeiro teatro que é um tribunal do júri.
As cenas descritas se
passam na residência da família, nas imediações de Port Royal, na Jamaica, onde
Louis Simpson nasceu: do trânsito compassado da narrativa do poeta, remanesce o
paralelo arquitetado entre uma natureza que mantém sua dinâmica inalterável e a
vida humana que muitas vezes replica o ‘modus vivendi’ de nossos ascendentes.
J.A.R. – H.C.
Louis Simpson
(1923-2012)
Working Late
A light is on in my
father’s study.
“Still up?” he says,
and we are silent,
looking at the harbor
lights,
listening to the surf
and the creak of
coconut boughs.
He is working late on
cases.
No impassioned
speech! He argues from evidence,
actually pacing out
and measuring,
while the fans
revolving on the ceiling
winnow the true from
the false.
Once he passed a
brass curtain rod
through a head made
out of plaster
and showed the jury
the angle of fire –
where the murderer
must have stood.
For years, all
through my childhood,
if I opened a
closet... bang!
There would be the
dead man’s head
with a black hole in
the forehead.
All the arguing in
the world
will not stay the
moon.
She has come all the
way from Russia
to gaze for a while
in a mango tree
and light the wall of
a veranda,
before resuming her
interrupted journey
beyond the harbor and
the lighthouse
at Port Royal,
turning away
from land to the open
sea.
Yet, nothing in
nature changes, from that day to this,
she is still the
mother of us all.
I can see the
drifting offshore lights,
black posts where the
pelicans brood.
And the light that used
to shine
at night in my father’s
study
now shines as late in
mine.
Trabalhando até tarde
no escritório
(George W. Adamson: ilustrador anglo-americano)
Trabalhando Até Tarde
Uma luz está acesa no
gabinete de meu pai.
“Ainda acordado?”,
diz ele, e estamos em silêncio,
olhando as luzes do
porto,
ouvindo a rebentação
das ondas
e o estalar das
frondes dos coqueiros.
Ele está se
empenhando até tarde nos casos.
Nada de discursos arrebatados!
Argumenta a partir das provas,
de fato, movendo-se
de um lado ao outro a medir os passos,
enquanto as hélices
girantes do ventilador de teto
apartam o verdadeiro
do falso.
Certa vez, passou um
varão de cortina de latão
através de uma cabeça
feita de gesso
para mostrar ao júri
o ângulo de tiro –
em cujo vão o
assassino teria se postado.
Durante anos, ao longo
de toda a minha infância,
se abrisse um
armário... bang!
Haveria a cabeça do
homem morto
com uma negra perfuração
na testa.
Toda a arguição do
mundo
não haverá de ficar
estacionada na lua.
Ela terá vindo integralmente
da Rússia
para observar por um
tempo uma mangueira
e iluminar a parede
de uma varanda,
antes de retomar a
sua interrompida viagem
para além da angra e
do farol
em Port Royal, desviando-se
da terra
em direção ao mar
aberto.
No entanto, não se
veem mudanças na natureza,
desde aquele dia até
o presente:
ela continua a ser a
mãe de todos nós.
Posso ver as luzes costeiras
flutuantes,
os postes negros onde
nidificam os pelicanos.
E a luz que costumava
brilhar
durante a noite no gabinete
de meu pai,
brilha agora tão tarde
no meu.
Referência:
SIMPSON, Louis. Working late. In: __________. People live here: selected poems 1949-83. Rochester, NY: BOA Editions, 1983. p. 168.
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