Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Anne Sexton - A Sala da Minha Vida

Ainda que os objetos na sala da falante não tenham, de fato, se alterado em sua forma, é o olhar sobre as coisas, num cenário fora das quatro linhas, transmutado, insólito às vezes, que dá ensejo a uma dinâmica consentânea à imaginação poética que a autora entorna nestes versos.

 

Afirma a voz lírica que, sendo a detentora de todas as palavras, retidas em suas mãos, e frente a um mar que lhe “estronda na garganta”, compele os objetos a “confessarem” outros tantos atributos ou finalidades que, à primeira vista, não se lhes associam.

 

A rigor, as imagens evocadas acabam por revelar o estado emocional da poetisa, eis que símbolos do modo contrastante como se sente em relação aos mundos interior e exterior, mundos em que pairam o comedido e o caótico, o inamovível e o cambiante.

 

J.A.R. – H.C.

 

Anne Sexton

(1928-1974)

 

The Room of My Life

 

Here,

in the room of my life

the objects keep changing.

Ashtrays to cry into,

the suffering brother of the wood walls,

the forty-eight keys of the typewriter

each an eyeball that is never shut,

the books, each a contestant in a beauty contest,

the black chair, a dog coffin made of Naugahyde,

the sockets on the wall

waiting like a cave of bees,

the gold rug

a conversation of heels and toes,

the fireplace

a knife waiting for someone to pick it up,

the sofa, exhausted with the exertion of a whore,

the phone

two flowers taking root in its crotch,

the doors

opening and closing like sea clams,

the lights

poking at me,

lighting up both the soil and the laugh.

The windows,

the starving windows

that drive the trees like nails into my heart.

Each day I feed the world out there

although birds explode

right and left.

I feed the world in here too,

offering the desk puppy biscuits.

However, nothing is just what it seems to be.

My objects dream and wear new costumes,

compelled to, it seems, by all the words in my hands

and the sea that bangs in my throat.

 

In: “The Awful Rowing Towards God” (1975)

 

Interior: minha sala de jantar

(Wassily Kandinsky: artista russo)

 

A Sala da Minha Vida

 

Aqui,

na sala da minha vida

os objetos estão sempre mudando.

Cinzeiros onde se verte o pranto;

o irmão padecente das paredes de madeira;

as quarenta e oito teclas da máquina datilográfica,

cada qual um globo ocular que nunca se fecha;

os livros, que nem competidores num concurso de beleza;

a cadeira preta, um ataúde canino feito de Naugahyde;

as tomadas na parede

à espera, como se fossem alvéolos de uma colmeia;

o tapete dourado,

um colóquio entre calcanhares e dedos dos pés;

a lareira,

uma faca à espera de que alguém a apanhe;

o sofá, como que exaurido pela labuta de uma rameira;

o telefone,

duas flores deitando raízes em seu gancho;

as portas,

abrindo e fechando como amêijoas marinhas;

as luminárias

me bisbilhotando,

clareando tanto o solo quanto o riso.

As janelas,

as famintas janelas

que cravam as árvores como garras em meu coração.

Todos os dias dou de comer ao mundo lá fora,

ainda que os pássaros irrompam

a torto e a direito.

Também dou de comer ao mundo aqui dentro,

oferecendo biscoitos para cachorrinhos à mesa.

No entanto, nada é apenas o que parece ser.

Meus objetos sonham e vestem-se com novos trajes,

compelidos, ao que parece, por todas as palavras

em minhas mãos

e pelo mar que me estronda na garganta.

 

Em: “O Terrível Remar em Direção a Deus” (1975)

 

Referência:

 

SEXTON, Anne. The room of my life. In: __________. The complete poems. With a foreword by Maxine Kumin. 1st ed. Boston, MA: Houghton Mifflin Company, 1981. p. 422.

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