Ainda que os objetos
na sala da falante não tenham, de fato, se alterado em sua forma, é o olhar
sobre as coisas, num cenário fora das quatro linhas, transmutado, insólito às
vezes, que dá ensejo a uma dinâmica consentânea à imaginação poética que a
autora entorna nestes versos.
Afirma a voz lírica
que, sendo a detentora de todas as palavras, retidas em suas mãos, e frente a
um mar que lhe “estronda na garganta”, compele os objetos a “confessarem”
outros tantos atributos ou finalidades que, à primeira vista, não se lhes
associam.
A rigor, as imagens
evocadas acabam por revelar o estado emocional da poetisa, eis que símbolos do
modo contrastante como se sente em relação aos mundos interior e exterior,
mundos em que pairam o comedido e o caótico, o inamovível e o cambiante.
J.A.R. – H.C.
Anne Sexton
(1928-1974)
The Room of My Life
Here,
in the room of my
life
the objects keep changing.
Ashtrays to cry into,
the suffering brother
of the wood walls,
the forty-eight keys
of the typewriter
each an eyeball that
is never shut,
the books, each a
contestant in a beauty contest,
the black chair, a
dog coffin made of Naugahyde,
the sockets on the
wall
waiting like a cave
of bees,
the gold rug
a conversation of
heels and toes,
the fireplace
a knife waiting for
someone to pick it up,
the sofa, exhausted
with the exertion of a whore,
the phone
two flowers taking
root in its crotch,
the doors
opening and closing
like sea clams,
the lights
poking at me,
lighting up both the
soil and the laugh.
The windows,
the starving windows
that drive the trees
like nails into my heart.
Each day I feed the
world out there
although birds
explode
right and left.
I feed the world in
here too,
offering the desk
puppy biscuits.
However, nothing is
just what it seems to be.
My objects dream and
wear new costumes,
compelled to, it
seems, by all the words in my hands
and the sea that
bangs in my throat.
In: “The Awful Rowing
Towards God” (1975)
Interior: minha sala
de jantar
(Wassily Kandinsky: artista
russo)
A Sala da Minha Vida
Aqui,
na sala da minha vida
os objetos estão
sempre mudando.
Cinzeiros onde se
verte o pranto;
o irmão padecente das
paredes de madeira;
as quarenta e oito
teclas da máquina datilográfica,
cada qual um globo
ocular que nunca se fecha;
os livros, que nem competidores
num concurso de beleza;
a cadeira preta, um
ataúde canino feito de Naugahyde;
as tomadas na parede
à espera, como se
fossem alvéolos de uma colmeia;
o tapete dourado,
um colóquio entre
calcanhares e dedos dos pés;
a lareira,
uma faca à espera de
que alguém a apanhe;
o sofá, como que exaurido
pela labuta de uma rameira;
o telefone,
duas flores deitando
raízes em seu gancho;
as portas,
abrindo e fechando
como amêijoas marinhas;
as luminárias
me bisbilhotando,
clareando tanto o
solo quanto o riso.
As janelas,
as famintas janelas
que cravam as árvores
como garras em meu coração.
Todos os dias dou de
comer ao mundo lá fora,
ainda que os pássaros
irrompam
a torto e a direito.
Também dou de comer
ao mundo aqui dentro,
oferecendo biscoitos
para cachorrinhos à mesa.
No entanto, nada é
apenas o que parece ser.
Meus objetos sonham e
vestem-se com novos trajes,
compelidos, ao que
parece, por todas as palavras
em minhas mãos
e pelo mar que me
estronda na garganta.
Em: “O Terrível Remar
em Direção a Deus” (1975)
Referência:
SEXTON, Anne. The
room of my life. In: __________. The complete poems. With a foreword by
Maxine Kumin. 1st ed. Boston, MA: Houghton Mifflin Company, 1981. p. 422.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário