O ser consciente a
naufragar em perplexidades, em vista de que intenta esclarecer o ato de pensar
por meio do próprio pensamento reflexivo, inteligir sobre a existência para
além de uma simples presença – facilmente constatável por terceiros –, sem
deixar de soçobrar, seja como for, no efêmero, no impermanente.
Mesmo o fluir do tempo
nos enreda em toda sorte de assombros: um facho de luz que nos alcance neste
exato momento, vindo de uma estrela a anos-luz distante, será presente para nós,
mas passado consumado para a estrela que o emitiu – daí a expressão “o presente
do passado” empregada pelo poeta (obviamente, no conjecturado amanhã, “o futuro
do presente”).
J.A.R. – H.C.
Ferreira Gullar
(1930-2016)
Perplexidades
a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de
que existo
e todo o existir
consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência
dura menos
que um fio de meu
cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é
dado
o infinito universo
constelado
de quatrilhões e
quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas
delas
posso vê-las
fulgindo no presente
do passado
Luar, Luz das
Estrelas, Oceano Atlântico
(Frank Wilbert Stokes:
pintor norte-americano)
Referência:
GULLAR, Ferreira. Perplexidades. Cuadernos Hispanoamericanos. Literatura brasileña hoy. Edición bilingüe: portugués x español. Madrid (ES), v. 735, p. 131, sep. 2011. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 set. 2023.
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