Na primeira parte
deste poema, Romano faz uma paródia do Gênesis 1-2, na qual Satã aparece como o
criador de todas as mazelas que assolam a humanidade, dos pecados capitais – “sete
virtudes capitais”, claro está, para Lúcifer! – às guerras e epidemias, das
mentiras aos mecanismos de opressão, e viu que “tudo isso era bom”, coroando a
sua grande mediante o exílio de Deus “na pior parte do Inferno – os Céus”.
Desde então, a história
da humanidade tem refletido o seu êxito, com raros contratempos aqui e ali, mas
nada que abale o curso “natural” dos acontecimentos, pois o mal infligido pelo Demo
segue firme em seu protagonismo na orientação dos “negócios universais”. Afinal, como diz a máxima latina: “Daemonium
vendit, qui daemonium prius emit.” (“Quem com o demo semeia, com o demo colhe.”).
J.A.R. – H.C.
Affonso R. de Sant'Anna
(n. 1937)
Novo Gênesis
No primeiro dia
o Demônio criou o
universo e tudo o que nele há
e viu que era bom.
No segundo dia
criou a cobiça, a
usura, a inveja, a gula, a preguiça,
a soberba e a ira
a que chamou de sete
virtudes capitais
e viu que era bom.
No terceiro dia criou
as guerras.
No quarto dia criou
as epidemias.
No quinto dia criou a
opressão.
No sexto dia criou a mentira
e no sétimo dia,
quando ia descansar,
houve uma rebelião na
hierarquia dos anjos
e um deles, de nome
Deus,
quis reverter a ordem
geral das coisas,
mas foi exilado
na pior parte do
Inferno – os Céus.
Desde então
o Demônio e suas
hostes continuam firmes
na condução dos
negócios universais,
embora volta e meia
um serafim, um querubim
e algum filho de
Deus, desencadeiem protestos,
milagres, revoluções
querendo impingir o
Bem onde há o Mal.
Porém não têm tido
muito êxito até agora,
exceto em alguns
casos particulares
que não alteraram em
nada a marcha geral da história.
Em: “Textamentos”
(1999)
Satã no Paraíso
(Gustave Doré:
ilustrador francês)
Referência:
SANT’ANNA, Affonso
Romano de. Novo gênesis. In: COCO, Emilio. Il fiori della poesia
latinoamericana d’oggi. Secondo volume: America meridionale – 1. Rimini,
IT: Raffaelli Editore, 2012. p. 34 e 36. (v. 6)
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