Fazendo menção ao
poema “A
Flauta-Vértebra”, de Vladimir Maiakovski (1893-1930) – provavelmente para demarcar
a sua afinidade cultural com o autor russo –, a poetisa alemã, a princípio, divaga
sobre imagens da natureza, mais especificamente de sua flora, para, ao final,
empreender conexão com as linhas de atuação política mais à esquerda, decerto
socialistas, em suas lutas contra “a ignorância, a exploração e a fome”.
Outro elemento importante
no poema é o emprego da palavra “Aurora”, ao seu final, uma vez que, a par do
sentido atribuível a um “novo amanhecer”, literal ou metafórico, pode
facilmente evocar o encouraçado cuja tripulação se revoltou contra a ordem então
estabelecida na Rússia, juntando-se à corrente revolucionária bolchevique, em
1917.
J.A.R. – H.C.
Sarah Kirsch
(1935-2013)
Bäume Lesen
Der Regen fällt ins
Grundwasser
anderen Nutzen
hat er im Winter
nicht, es sei denn
ich bezög ihn auf
Kiefern und Fichten
diesen nördlichen
Bäumen
wird der Staub von
Blüten und Wegen
jetzt gründlich
ausgewaschen. Die Stämme
ziehen an mir vorbei
(das ist übertrieben:
ich gehe den Weg
lang) die Bäume sind Lettern, ich
beweg mich wie auf
Papier, überspringe
mühsam den Zwischenraum,
stolpere ein Zeichen nieder
das hier ist
Nadelwald
kein Unterholz alles
durchschaubar
von Zeile zu Zeile,
der Boden voll Schnee
der kommt aus dem
Regen, papierweiß
Eine merkwürdige
Baumgruppe
offensichtlich vom
Ausland (so
wächst es hier nicht)
prellt vor, ich umkreise
sie mit langsamen
Schritten: sechs Bäume
der erste am größten,
das wär so ein Schiffsmast
ragt in den nicht
sichtbarn Himmel, oben
ein Nebelfetzen,
Rauch eines Dampfers
die Bäume liegen
vertäut, ihrer Schiffsuhr
Zeiger zuckt auf die
volle Stunde
ein Krachen ich
fürchte mich nicht, ja
das sind Schüsse!
jetzt geht es vorwärts
Kampfansage nach
oben, nieder
mit Dummheit
Ausbeutung Hunger, rot
leuchtet mein Wort
mit mir ein Wald!,
Majakowski
bläst seiner
Wirbelsäule die Flöte
ich lese: Aurora
Katzenkopfpflaster
(1977)
Sigam as nossas
regras
(Cyril Rolando:
artista francês)
Lendo Árvores
Cair no lençol
freático
outra utilidade a
chuva não possui
no inverno, a não ser
vestir-se de pinhos e
pinheiros
destas árvores nórdicas
agora profundamente
lavadas
a poeira de pólens e
caminhos. Os troncos
passam por mim (é uma
hipérbole:
eu passo ao longo do
caminho) as árvores são alfabeto,
movimento-me como
sobre o papel, salto
os espaços com
esforço, tropeço em um sinal
é uma floresta de
coníferas
nenhuma vegetação
rasteira tudo translúcido
de linha a linha, o
solo repleto de neve
advindo da chuva,
como papel branco.
Um grupo estranho de
árvores
obviamente
estrangeiras (assim
não costumam crescer
aqui) arremetem-se, eu as
cinjo com passos
vagarosos: seis árvores
a primeira a maior,
como um mastro
erguido ao céu
coberto, no alto
rasga o nevoeiro,
chumaço de vapor
as árvores estão
atracadas, no seu relógio de navio
os ponteiros vacilam
na hora plena
não temo uma colisão,
sim
são disparos! Agora
se pode seguir em frente
ao chamado para a
luta elevada, abaixo
com a ignorância a
exploração a fome, vermelho
vibra na minha
palavra
comigo uma floresta!
Maiakovski
sopra a flauta de sua
coluna vertebral
eu leio: aurora
Katzenkopfpflaster
(1977) (*)
Nota:
(*). “Katzenkopfpflaster”,
título da obra de onde transcrito o poema, consiste numa espécie de pavimento
rugoso de pedras naturais arredondadas (ou mesmo de paralelepípedos).
Referência:
KIRSCH, Sarah. Bäume lesen
/ Lendo árvores. Tradução de Viviane de Santana Paulo. (n.t.) Revista
Literária em Tradução, Florianópolis (SC), ano 7, n. 13, 2. vol., dez.
2016. Em alemão: p. 48; em português: p. 59. Disponível neste endereço. Acesso em: 2 set. 2023.
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