Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Sarah Kirsch - Lendo Árvores

Fazendo menção ao poema “A Flauta-Vértebra”, de Vladimir Maiakovski (1893-1930) – provavelmente para demarcar a sua afinidade cultural com o autor russo –, a poetisa alemã, a princípio, divaga sobre imagens da natureza, mais especificamente de sua flora, para, ao final, empreender conexão com as linhas de atuação política mais à esquerda, decerto socialistas, em suas lutas contra “a ignorância, a exploração e a fome”.

 

Outro elemento importante no poema é o emprego da palavra “Aurora”, ao seu final, uma vez que, a par do sentido atribuível a um “novo amanhecer”, literal ou metafórico, pode facilmente evocar o encouraçado cuja tripulação se revoltou contra a ordem então estabelecida na Rússia, juntando-se à corrente revolucionária bolchevique, em 1917.

 

J.A.R. – H.C.

 

Sarah Kirsch

(1935-2013)

 

Bäume Lesen

 

Der Regen fällt ins Grundwasser

anderen Nutzen

hat er im Winter nicht, es sei denn

ich bezög ihn auf Kiefern und Fichten

diesen nördlichen Bäumen

wird der Staub von Blüten und Wegen

jetzt gründlich ausgewaschen. Die Stämme

ziehen an mir vorbei (das ist übertrieben:

ich gehe den Weg lang) die Bäume sind Lettern, ich

beweg mich wie auf Papier, überspringe

mühsam den Zwischenraum, stolpere ein Zeichen nieder

das hier ist Nadelwald

kein Unterholz alles durchschaubar

von Zeile zu Zeile, der Boden voll Schnee

der kommt aus dem Regen, papierweiß

Eine merkwürdige Baumgruppe

offensichtlich vom Ausland (so

wächst es hier nicht) prellt vor, ich umkreise

sie mit langsamen Schritten: sechs Bäume

der erste am größten, das wär so ein Schiffsmast

ragt in den nicht sichtbarn Himmel, oben

ein Nebelfetzen, Rauch eines Dampfers

die Bäume liegen vertäut, ihrer Schiffsuhr

Zeiger zuckt auf die volle Stunde

ein Krachen ich fürchte mich nicht, ja

das sind Schüsse! jetzt geht es vorwärts

Kampfansage nach oben, nieder

mit Dummheit Ausbeutung Hunger, rot

leuchtet mein Wort

mit mir ein Wald!, Majakowski

bläst seiner Wirbelsäule die Flöte

ich lese: Aurora

 

Katzenkopfpflaster (1977)

 

Sigam as nossas regras

(Cyril Rolando: artista francês)

 

Lendo Árvores

 

Cair no lençol freático

outra utilidade a chuva não possui

no inverno, a não ser

vestir-se de pinhos e pinheiros

destas árvores nórdicas

agora profundamente lavadas

a poeira de pólens e caminhos. Os troncos

passam por mim (é uma hipérbole:

eu passo ao longo do caminho) as árvores são alfabeto,

movimento-me como sobre o papel, salto

os espaços com esforço, tropeço em um sinal

é uma floresta de coníferas

nenhuma vegetação rasteira tudo translúcido

de linha a linha, o solo repleto de neve

advindo da chuva, como papel branco.

Um grupo estranho de árvores

obviamente estrangeiras (assim

não costumam crescer aqui) arremetem-se, eu as

cinjo com passos vagarosos: seis árvores

a primeira a maior, como um mastro

erguido ao céu coberto, no alto

rasga o nevoeiro, chumaço de vapor

as árvores estão atracadas, no seu relógio de navio

os ponteiros vacilam na hora plena

não temo uma colisão, sim

são disparos! Agora se pode seguir em frente

ao chamado para a luta elevada, abaixo

com a ignorância a exploração a fome, vermelho

vibra na minha palavra

comigo uma floresta! Maiakovski

sopra a flauta de sua coluna vertebral

eu leio: aurora

 

Katzenkopfpflaster (1977) (*)

 

Nota:

 

(*). “Katzenkopfpflaster”, título da obra de onde transcrito o poema, consiste numa espécie de pavimento rugoso de pedras naturais arredondadas (ou mesmo de paralelepípedos).

 

Referência:

 

KIRSCH, Sarah. Bäume lesen / Lendo árvores. Tradução de Viviane de Santana Paulo. (n.t.) Revista Literária em Tradução, Florianópolis (SC), ano 7, n. 13, 2. vol., dez. 2016. Em alemão: p. 48; em português: p. 59. Disponível neste endereço. Acesso em: 2 set. 2023.

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