Esqueça as noções que,
porventura, você possa ter sobre o que seja a roleta-russa. Isto é, pelo menos
em relação ao que consta nas linhas deste poema da autora paranaense: as
personagens não saem do enredo de uma “novela mexicana”, afinal todas elas
dizem respeito a nomes bastante conhecidos da história cultural e política
russa, a saber, Rasputin, o czar, o fisiologista Pavlov e outros figurantes não
especificamente nomeados.
Contudo, “o assassino
por encomenda” é o próprio poema: Rasputin protagoniza um homicídio, evadindo-se
para uma sequente esbórnia – com direito a massagens eróticas e sodomia –, em paralelo
a outra orgia nas “saunas imperiais”, onde os “versos necrosados” revelam-se na
“língua do czar”. Sem suspeitos, o crime ganha publicidade na manhã seguinte,
na capa de um tabloide.
Em suma: não houve,
especificamente, giro no tambor de uma arma, senão a combinação de sangue e
sexo no arco das cinco estâncias do poema, penhoradas, como se vê, em recriar lubricamente
elementos evocados por imagens latentes associadas à Rússia.
J.A.R. – H.C.
Priscila Merizzio
(n. 1985)
Roleta-russa
o poema que sangra
não tem script de
novela mexicana
é assassino por
encomenda
com suas maquinações,
Rasputin
degola o títere com
um machado mongol
desaparece nas
tabernas sombrias
massageia nádegas no
pufe cor-de-urucum
derrama vodka
em grandes lábios
sodomiza a duquesa
ao longe soa o uivo
lúgubre
dos cães de Pavlov
outra orgia urge nas
saunas imperiais
os versos necrosados
na língua do czar
na manhã seguinte
a vítima é capa de
tabloide
– não há suspeitos
Roleta-russa
(Igor Postash:
artista canadense)
Referência:
MERIZZIO, Priscila. Roleta-russa. In: DEMARCHI, Ademir (Seleção e apresentação). 101 poetas paranaenses: antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI; v. 2 (1959-1993). Curitiba, PR: Secretaria de Estado da Cultura; Biblioteca Pública do Paraná, 2014. p. 372. (‘Biblioteca Paraná’)
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