Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 10 de setembro de 2023

Seamus Heaney - Como todo a gente...

Em provável discurso autobiográfico, o poeta pondera sobre a doutrina da transubstanciação durante a celebração da Eucaristia, a perda da fé e a remanência daquele condicionamento religioso – que jamais se esvai por completo – a que, de início, somos sujeitados, no mais das vezes por nossos pais e mestres, sem muitos questionamentos.

 

Não há razões evocadas para a perda da fé, a qual teria ocorrido nos “bastidores”, ou seja, não exatamente enquanto o ente lírico participava do cerimonial: a fé genuína se exaure em função da renúncia às crenças religiosas, mas a identidade católica nele subsiste – “pálida” e “imperecível”, como “água de poço lá no fundo”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Seamus Heaney

(1939-2013)

 

Like everybody else...

 

Like everybody else, I bowed my head

during the consecration of the bread and wine,

lifted my eyes to the raised host and raised chalice,

believed (whatever it means) that a change occurred.

 

I went to the altar rails and received the mystery

on my tongue, returned to my place, shut my eyes fast, made

an act of thanksgiving, opened my eyes and felt

time starting up again.

There was never a scene

when I had it out with myself or with an other.

The loss of faith occurred off stage. Yet I cannot

disrespect words like ‘thanksgiving’ or ‘host’

or even ‘communion wafer’. They have an undying

pallor and draw, like well water far down.

 

In: “District and Circle” (2006)

 

A Instituição da Eucaristia

(Giovanni D. Tiepolo: artista italiano)

 

Como toda a gente...

 

Como toda a gente, inclinava a cabeça

durante a consagração do pão e do vinho,

erguia os olhos para a hóstia e o cálice levantados,

acreditava (o que quer que isso significasse)

que se realizava uma transformação.

 

Dirigia-me até os degraus do altar e recebia o mistério

na língua, voltava ao meu lugar, fechava os olhos

rapidamente, prestava

um ato de ação de graças, abria meus olhos e percebia

que o tempo começava outra vez.

Jamais houve cena

para acertar contas comigo mesmo ou com mais ninguém.

A perda da fé ocorreu nos bastidores. Mas não posso

faltar ao respeito a palavras como “ação de graças”, “hóstia”

ou mesmo “eucaristia”: têm elas uma imperecível

palidez – e atraem, como água de poço lá no fundo.

 

Em: “Distrito e Círculo” (2006)

 

Referência:

 

HEANEY, Seamus. Like everybody else... In: __________. Selected poems: 1988-2013. First American edition. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 2014. p. 163.

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