As memórias de verão,
da infância e da adolescência, dissipando-se na penumbra do esquecimento, levando
Montale a se espelhar no mesmo “tu” a que se dirige: debalde luta a voz lírica para
regular a “bússola” tresloucada, a fim de se orientar e encontrar um sentido
para a vida – esse “esfumado cata-vento” a girar “sem piedade”.
Os elementos
simbólicos empregados pelo poeta carregam, em boa medida, os matizes da
metafórica estação invernal – “anoitecer”, “escuridão”, “o horizonte em fuga” –,
tendo um mar à volta a infligir tormentas à íngreme falésia onde localizada a
alfândega, ponto de passagem e de controle de tudo o que vai e que vem: infactível
segurar o tempo, e o trabalho do mar e suas marés acaba por provocar sérios
danos à vulnerável rocha da memória.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
La casa dei doganieri
Tu non ricordi la
casa dei doganieri
sul rialzo a
strapiombo sulla scogliera:
desolata t’attende
dalla sera
in cui v’entrò lo
sciame dei tuoi pensieri
e vi sostò
irrequieto.
Libeccio sferza da
anni le vecchie mura
e il suono del tuo
riso non è più lieto:
la bussola va
impazzita all’avventura
e il calcolo dei dadi
più non torna.
Tu non ricordi; altro
tempo frastorna
la tua memoria; un
filo s’addipana.
Ne tengo ancora un
capo; ma s’allontana
la casa e in cima al
tetto la banderuola
affumicata gira senza
pietà.
Ne tengo un capo; ma
tu resti sola
né qui respiri nell’oscurità.
Oh l’orizzonte in
fuga, dove s’accende
rara la luce della
petroliera!
Il varco è qui?
(Ripullula il frangente
ancora sulla balza
che scoscende...)
Tu non ricordi la
casa di questa
mia sera. Ed io non
so chi va e chi resta.
Alfândega em Boulogne
(Thomas Rowlandson:
desenhista inglês)
A casa dos aduaneiros
Não te lembras da
casa dos aduaneiros
na subida que domina
a falésia:
desolada, tem estado
à tua espera desde a tarde
em que o enxame de
teus pensamentos lá entrou
e irrequieto quedou-se.
Há anos que o Libeccio
(*) fustiga as velhas paredes
e o som do teu riso
não exprime mais júbilo:
a bússola move-se
enlouquecida pela aventura
e o cálculo dos dados
já não tem retorno.
Não te lembras; outra
vez transtornas
tua memória; um fio
se desenrola.
Ainda tenho uma ponta;
mas a casa
se distancia e por
cima do teto o cata-vento
esfumado gira sem
piedade.
Tenho uma ponta; mas
permaneces sozinha,
tampouco aqui
respiras na escuridão.
Oh! o horizonte em
fuga, onde a luz do
petroleiro raramente
se acende!
Aqui é o canal? (Reborbulha
o vagalhão
uma vez mais sobre o
íngreme penhasco...)
Não te lembras da
casa desta
noite minha. E não
sei quem vai e quem fica.
Nota:
(*). Libeccio é o
nome pelo qual se chama o vento de oeste ou sudoeste que predomina na costa da
Córsega durante todo o ano, tornando o mar revolto em face de suas densas
rajadas, as quais também atingem a costa ocidental da Itália, onde fica, v.g., a
região da Ligúria, em cuja capital, Gênova, nasceu Montale.
Referência:
MONTALE, Eugenio. La
casa dei doganieri. In: __________. Collected poems: 1920-1954. A
bilingual edition: italian x english. Translated and annotated by Jonathan
Galassi. 1st ed. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 222.
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