Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Eugenio Montale - A casa dos aduaneiros

As memórias de verão, da infância e da adolescência, dissipando-se na penumbra do esquecimento, levando Montale a se espelhar no mesmo “tu” a que se dirige: debalde luta a voz lírica para regular a “bússola” tresloucada, a fim de se orientar e encontrar um sentido para a vida – esse “esfumado cata-vento” a girar “sem piedade”.

 

Os elementos simbólicos empregados pelo poeta carregam, em boa medida, os matizes da metafórica estação invernal – “anoitecer”, “escuridão”, “o horizonte em fuga” –, tendo um mar à volta a infligir tormentas à íngreme falésia onde localizada a alfândega, ponto de passagem e de controle de tudo o que vai e que vem: infactível segurar o tempo, e o trabalho do mar e suas marés acaba por provocar sérios danos à vulnerável rocha da memória.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eugenio Montale

(1896-1981)

 

La casa dei doganieri

 

Tu non ricordi la casa dei doganieri

sul rialzo a strapiombo sulla scogliera:

desolata t’attende dalla sera

in cui v’entrò lo sciame dei tuoi pensieri

e vi sostò irrequieto.

 

Libeccio sferza da anni le vecchie mura

e il suono del tuo riso non è più lieto:

la bussola va impazzita all’avventura

e il calcolo dei dadi più non torna.

Tu non ricordi; altro tempo frastorna

la tua memoria; un filo s’addipana.

 

Ne tengo ancora un capo; ma s’allontana

la casa e in cima al tetto la banderuola

affumicata gira senza pietà.

Ne tengo un capo; ma tu resti sola

né qui respiri nell’oscurità.

 

Oh l’orizzonte in fuga, dove s’accende

rara la luce della petroliera!

Il varco è qui? (Ripullula il frangente

ancora sulla balza che scoscende...)

Tu non ricordi la casa di questa

mia sera. Ed io non so chi va e chi resta.

 

Alfândega em Boulogne

(Thomas Rowlandson: desenhista inglês)

 

A casa dos aduaneiros

 

Não te lembras da casa dos aduaneiros

na subida que domina a falésia:

desolada, tem estado à tua espera desde a tarde

em que o enxame de teus pensamentos lá entrou

e irrequieto quedou-se.

 

Há anos que o Libeccio (*) fustiga as velhas paredes

e o som do teu riso não exprime mais júbilo:

a bússola move-se enlouquecida pela aventura

e o cálculo dos dados já não tem retorno.

Não te lembras; outra vez transtornas

tua memória; um fio se desenrola.

 

Ainda tenho uma ponta; mas a casa

se distancia e por cima do teto o cata-vento

esfumado gira sem piedade.

Tenho uma ponta; mas permaneces sozinha,

tampouco aqui respiras na escuridão.

 

Oh! o horizonte em fuga, onde a luz do

petroleiro raramente se acende!

Aqui é o canal? (Reborbulha o vagalhão

uma vez mais sobre o íngreme penhasco...)

Não te lembras da casa desta

noite minha. E não sei quem vai e quem fica.

 

Nota:

 

(*). Libeccio é o nome pelo qual se chama o vento de oeste ou sudoeste que predomina na costa da Córsega durante todo o ano, tornando o mar revolto em face de suas densas rajadas, as quais também atingem a costa ocidental da Itália, onde fica, v.g., a região da Ligúria, em cuja capital, Gênova, nasceu Montale.

 

Referência:

 

MONTALE, Eugenio. La casa dei doganieri. In: __________. Collected poems: 1920-1954. A bilingual edition: italian x english. Translated and annotated by Jonathan Galassi. 1st ed. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 222.

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