O homem, segundo
Lawrence, parece ter se tornado imune à ascendência de Deus a presidir o
universo, desvencilhando-se de suas mãos para resvalar ao inevitável “abismo do
autoconhecimento”, do “eu-separado-de-Deus” – distintamente dos outros animais,
que permaneceriam como que num verdadeiro estado de graça.
Repetindo sons e
palavras, o autor inglês pretende reforçar as imagens de regressão ao infinito,
argumentando que não há fundo onde chegar nessa queda, porque em completa
desconexão em relação a quaisquer forças cósmicas: o homem às voltas consigo
mesmo, em autognose capaz de levá-lo perigosamente às brasas incandescentes da
desintegração.
J.A.R. – H.C.
D. H. Lawrence
(1885-1930)
Only Man
Only man can fall
from God.
Only man.
No animal, no beast
nor creeping thing
no cobra nor hyaena
nor scorpion nor hideous white ant
can slip entirely
through the fingers of the hands of god
into the abyss of
self knowledge,
knowledge of the self-apart-from-God.
For the knowledge of
the self-apart-from-God.
is an abyss down
which the soul can slip
writhing and twisting
in all the revolutions
of the unfinished
plunge
of self awareness,
now apart from God, falling
fathomless,
fathomless, self-consciousness wriggling
writhing deeper and
deeper in all the minutiae of
self-knowledge, downwards,
exhaustive,
yet never, never
coming to the bottom, for there is no bottom;
zigzagging down like
the fizzle from a finished rocket
the frizzling falling
fire that cannot go out, dropping wearily,
neither can it reach
the depth
for the depth is
bottomless,
so it wriggles its
way even further down, further down
at last in sheer
horror of not being able to leave off
knowing itself,
knowing itself apart from God, falling.
In: “Las Poems”
(1932)
Queda Livre no Nada
(Katie Willes: artista
norte-americana)
Só o Homem
Só o homem pode cair
das mãos de Deus.
Só o homem.
Nenhum animal, fera
ou réptil,
cobra, hiena,
horrenda formiga branca, escorpião
pode escorregar por
entre os dedos das mãos de Deus
para o abismo do
autoconhecimento –
conhecimento do
eu-separado-de-Deus.
Pois o conhecimento
do eu-separado-de-Deus
é um abismo para onde
a alma pode resvalar
convulsa, retorcida,
em cada volta
do mergulho sem fim
da autoconsciência,
já separada de Deus, caindo
insondável,
insondável, da autoconsciência debatendo-se,
caindo a serpear,
cada vez mais fundo, em todas as minúcias
do autoconhecimento,
desmoronando extenuada,
mas nunca chegando ao
fundo, pois não há fundo,
descendo em
ziguezague, como o assobio de um foguete
que espocou,
o fogo chamuscante,
cadente, que não se apaga, caindo
exausto
sem poder alcançar a
profundeza,
que a profundeza é
sem fundo,
e então ele afunda
sempre mais e mais, em contorções –
por fim, no puro
horror de nunca ser capaz de deixar
de conhecer-se –
conhecendo-se separado de Deus – caindo.
Em: “Últimos Poemas”
(1932)
Referência:
LAWRENCE, D. H. Only
man / Só o homem. Tradução de Aíla de Oliveira Gomes. In: __________. Alguma
poesia. Seleção, tradução e introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Edição
bilíngue. São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1991. Em inglês: p. 180; em português:
p. 181. (‘Biblioteca de Letras e Ciências Humanas’; série 2ª, textos; v. 6)
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