Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

D. H. Lawrence - Só o Homem

O homem, segundo Lawrence, parece ter se tornado imune à ascendência de Deus a presidir o universo, desvencilhando-se de suas mãos para resvalar ao inevitável “abismo do autoconhecimento”, do “eu-separado-de-Deus” – distintamente dos outros animais, que permaneceriam como que num verdadeiro estado de graça.

 

Repetindo sons e palavras, o autor inglês pretende reforçar as imagens de regressão ao infinito, argumentando que não há fundo onde chegar nessa queda, porque em completa desconexão em relação a quaisquer forças cósmicas: o homem às voltas consigo mesmo, em autognose capaz de levá-lo perigosamente às brasas incandescentes da desintegração.

 

J.A.R. – H.C.

 

D. H. Lawrence

(1885-1930)

 

Only Man

 

Only man can fall from God.

Only man.

 

No animal, no beast nor creeping thing

no cobra nor hyaena nor scorpion nor hideous white ant

can slip entirely through the fingers of the hands of god

into the abyss of self knowledge,

knowledge of the self-apart-from-God.

 

For the knowledge of the self-apart-from-God.

is an abyss down which the soul can slip

writhing and twisting in all the revolutions

of the unfinished plunge

of self awareness, now apart from God, falling

fathomless, fathomless, self-consciousness wriggling

writhing deeper and deeper in all the minutiae of

self-knowledge, downwards, exhaustive,

yet never, never coming to the bottom, for there is no bottom;

zigzagging down like the fizzle from a finished rocket

the frizzling falling fire that cannot go out, dropping wearily,

neither can it reach the depth

for the depth is bottomless,

so it wriggles its way even further down, further down

at last in sheer horror of not being able to leave off

knowing itself, knowing itself apart from God, falling.

 

In: “Las Poems” (1932)

 

Queda Livre no Nada

(Katie Willes: artista norte-americana)

 

Só o Homem

 

Só o homem pode cair das mãos de Deus.

Só o homem.

 

Nenhum animal, fera ou réptil,

cobra, hiena, horrenda formiga branca, escorpião

pode escorregar por entre os dedos das mãos de Deus

para o abismo do autoconhecimento –

conhecimento do eu-separado-de-Deus.

 

Pois o conhecimento do eu-separado-de-Deus

é um abismo para onde a alma pode resvalar

convulsa, retorcida, em cada volta

do mergulho sem fim

da autoconsciência, já separada de Deus, caindo

insondável, insondável, da autoconsciência debatendo-se,

caindo a serpear, cada vez mais fundo, em todas as minúcias

do autoconhecimento, desmoronando extenuada,

mas nunca chegando ao fundo, pois não há fundo,

descendo em ziguezague, como o assobio de um foguete

que espocou,

o fogo chamuscante, cadente, que não se apaga, caindo

exausto

sem poder alcançar a profundeza,

que a profundeza é sem fundo,

e então ele afunda sempre mais e mais, em contorções –

por fim, no puro horror de nunca ser capaz de deixar

de conhecer-se – conhecendo-se separado de Deus – caindo.

 

Em: “Últimos Poemas” (1932)

 

Referência:

 

LAWRENCE, D. H. Only man / Só o homem. Tradução de Aíla de Oliveira Gomes. In: __________. Alguma poesia. Seleção, tradução e introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1991. Em inglês: p. 180; em português: p. 181. (‘Biblioteca de Letras e Ciências Humanas’; série 2ª, textos; v. 6)

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