A voz lírica,
presumivelmente de uma senhora em situação de separação ou de divórcio de seu
companheiro, propõe uma “equitativa” divisão de bens ao término do
relacionamento: com ele ficam todas as coisas que foram adquiridas com os seus
próprios recursos – “piano, casa, joias, carro, livros” – e, com ela, tão
apenas a propriedade de seu corpo e mente, a qual, obviamente, não lhe pode ser subtraída.
Mais do que isso:
vê-se que a falante sentia-se “aprisionada” no convívio matrimonial, haja vista
que sublinha, em particular, a recuperação da liberdade de ação, de poder voltar
a ser e estar em conformidade com o seu próprio arbítrio, sem satisfações a dar
a ninguém. Ou como diria o vate latino: liberdade ainda que tardia!
J.A.R. – H.C.
Mariazinha Congílio
(1928-2004)
Divisão de Bens
Com você pode ficar
o piano, casa, joias,
carro, livros.
Dos quadros só levo a
marinha.
Não quero vitrola,
televisão ou rádio.
Para uma separação de
bens equitativa
você fica com tudo
que é seu.
Fico comigo.
Isso não é muito. Mas
basta.
Levarei os braços
cansados,
os olhos tristes, a
esperança vã.
Levarei tristeza e
saudade.
O riso já não mais
existe.
E muito bem
acondicionada,
levarei a liberdade.
Adeus.
Separação
(Edvard Munch: pintor
norueguês)
Referência:
CONGÍLIO, Mariazinha.
Divisão de bens. In: BASTOS, Abguar et al. 50 poetas do Clube de Poesia:
1945-1995. Prefácio de Ives Gandra da Silva Martins; São Paulo, SP: Clube
de Poesia, 1995. p. 95.
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