Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Galway Kinnell - Últimos Deuses

Descrevendo um ato de amor em plena natureza, num tom abertamente erótico e artístico, não menos sacralizado, o poeta norte-americano interpreta-o como um legado dos deuses que se recusaram a partir, deixando-nos na boca os gemidos que agora se estendem por longas noites de prazer.


A seção de versos onde se descreve o amante a deitar bagas de mirtilos nos lábios da amada levou-me a associá-la a imagens do filme “Tess” (1979), do diretor Roman Polanski – baseado no romance “Tess of the d’Ubervilles” (1891), de Thomas Hardy –, ao longo das quais Alec d’Urberville (Leigh Lawson) dá início à sedução de Tess (Nastassja Kinski) apondo-lhe cerejas na boca, numa cena de sensualidade à flor da pele.

 

J.A.R. – H.C.

 

Galway Kinnell

(1927-2014)

 

Last Gods

 

She sits naked on a rock

a few yards out in the water.

He stands on the shore,

also naked, picking blueberries.

She calls. He turns. She opens

her legs showing him her great beauty,

and smiles, a bow of lips

seeming to tie together

the ends of the earth.

Splashing her image

to pieces, he wades out

and stands before her, sunk

to the anklebones in leaf-mush

and bottom-slime – the intimacy

of the geographical. He puts

a berry in its shirt

of mist into her mouth.

She swallows it. He puts in another.

She swallows it. Over the lake

two swallows whim, juke, jink,

and when one snatches

an insect they both whirl up

and exult. He is swollen

not with ichor but with blood.

She takes him and talks him

more swollen. He kneels, opens

the dark, vertical smile

linking heaven with the underearth

and murmurs her smoothest flesh more smooth.

On top of the rock they join.

Somewhere a frog moans, a crow screams.

The hair of their bodies

startles up. They cry

in the tongue of the last gods,

who refused to go,

chose death, and shuddered

in joy and shattered in pieces,

bequeathing their cries

into the human mouth. Now in the lake

two faces float, looking up

at a great maternal pine whose branches

open out in all directions

explaining everything.

 

In: “When One Has Lived a Long Tome Alone” (1990)

 

Gênese Espiral

(Mark Henson: artista norte-americano)

 

Últimos Deuses

 

Ela se senta nua sobre uma rocha

a alguns metros na água.

Ele está à margem,

também nu, colhendo mirtilos.

Ela o chama. Ele se vira. Ela abre

as pernas mostrando-lhe sua grande beleza,

e sorri, uma flexão de lábios que parece unir

os confins da terra.

Salpicando sua imagem

em pedaços, ele chapinha

e se coloca diante dela, submerso

até os tornozelos num junco de folhas

e no lodo do leito – a intimidade

do geográfico. Ele pega

uma baga de sua embaçada

camisa e a põe em sua boca.

Ela a engole. Ele põe outra.

Ela a engole. Sobre o lago

duas andorinhas dançam, bolem em volutas,

e quando uma delas arrebata

um inseto, ambas rodopiam

e exultam. Ele intumescido

não com icor, mas com sangue.

Ela o envolve e o induz a um estado

de mais intumescência. Ele se ajoelha e abre

um sorriso escuro e vertical

ligando o céu ao subtérreo

e sussurra por mais maciez às suas carnes mais macias.

Em cima da rocha eles se unem.

Algures, um sapo coaxa, um corvo crocita,

os pelos de seus corpos

se eriçam. Eles gemem

na língua dos últimos deuses,

que se recusaram a partir,

escolheram a morte, estremeceram

de alegria e se despedaçaram,

legando seus vagidos

à boca humana. Agora no lago

duas faces flutuam, olhando para cima,

rumo a um grande e maternal pinheiro, cujos ramos

se abrem em todas as direções,

tudo explicando.

 

In: “Quando Se Viveu Muito Tempo Sozinho” (1990)

 

Referência:

 

KINNELL, Galway. Last gods. In: __________. A new selected poems. First Mariner Books edition. New York, NY: Mariner Books (Houghton Mifflin Co.), 2001. p. 142-143.

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