Descrevendo um ato de
amor em plena natureza, num tom abertamente erótico e artístico, não menos
sacralizado, o poeta norte-americano interpreta-o como um legado dos deuses que
se recusaram a partir, deixando-nos na boca os gemidos que agora se estendem por
longas noites de prazer.
A seção de versos
onde se descreve o amante a deitar bagas de mirtilos nos lábios da amada levou-me
a associá-la a imagens do filme “Tess” (1979), do diretor Roman Polanski – baseado
no romance “Tess of the d’Ubervilles” (1891), de Thomas Hardy –, ao longo das quais Alec
d’Urberville (Leigh Lawson) dá início à sedução de Tess (Nastassja Kinski) apondo-lhe
cerejas na boca, numa cena de sensualidade à flor da pele.
J.A.R. – H.C.
Galway Kinnell
(1927-2014)
Last Gods
She sits naked on a
rock
a few yards out in
the water.
He stands on the
shore,
also naked, picking
blueberries.
She calls. He turns.
She opens
her legs showing him
her great beauty,
and smiles, a bow of
lips
seeming to tie
together
the ends of the
earth.
Splashing her image
to pieces, he wades
out
and stands before
her, sunk
to the anklebones in
leaf-mush
and bottom-slime – the
intimacy
of the geographical.
He puts
a berry in its shirt
of mist into her
mouth.
She swallows it. He
puts in another.
She swallows it. Over
the lake
two swallows whim,
juke, jink,
and when one snatches
an insect they both
whirl up
and exult. He is swollen
not with ichor but
with blood.
She takes him and
talks him
more swollen. He
kneels, opens
the dark, vertical
smile
linking heaven with
the underearth
and murmurs her
smoothest flesh more smooth.
On top of the rock
they join.
Somewhere a frog moans,
a crow screams.
The hair of their
bodies
startles up. They cry
in the tongue of the
last gods,
who refused to go,
chose death, and
shuddered
in joy and shattered
in pieces,
bequeathing their
cries
into the human mouth.
Now in the lake
two faces float,
looking up
at a great maternal
pine whose branches
open out in all
directions
explaining
everything.
In: “When One Has
Lived a Long Tome Alone” (1990)
Gênese Espiral
(Mark Henson: artista
norte-americano)
Últimos Deuses
Ela se senta nua
sobre uma rocha
a alguns metros na
água.
Ele está à margem,
também nu, colhendo
mirtilos.
Ela o chama. Ele se
vira. Ela abre
as pernas
mostrando-lhe sua grande beleza,
e sorri, uma flexão
de lábios que parece unir
os confins da terra.
Salpicando sua imagem
em pedaços, ele
chapinha
e se coloca diante
dela, submerso
até os tornozelos num
junco de folhas
e no lodo do leito –
a intimidade
do geográfico. Ele pega
uma baga de sua
embaçada
camisa e a põe em sua
boca.
Ela a engole. Ele põe
outra.
Ela a engole. Sobre o
lago
duas andorinhas dançam,
bolem em volutas,
e quando uma delas
arrebata
um inseto, ambas rodopiam
e exultam. Ele
intumescido
não com icor, mas com
sangue.
Ela o envolve e o
induz a um estado
de mais
intumescência. Ele se ajoelha e abre
um sorriso escuro e
vertical
ligando o céu ao subtérreo
e sussurra por mais
maciez às suas carnes mais macias.
Em cima da rocha eles
se unem.
Algures, um sapo coaxa,
um corvo crocita,
os pelos de seus
corpos
se eriçam. Eles gemem
na língua dos últimos
deuses,
que se recusaram a
partir,
escolheram a morte,
estremeceram
de alegria e se
despedaçaram,
legando seus vagidos
à boca humana. Agora
no lago
duas faces flutuam,
olhando para cima,
rumo a um grande e
maternal pinheiro, cujos ramos
se abrem em todas as
direções,
tudo explicando.
In: “Quando Se Viveu Muito
Tempo Sozinho” (1990)
Referência:
KINNELL, Galway. Last
gods. In: __________. A new selected poems. First Mariner Books edition.
New York, NY: Mariner Books (Houghton Mifflin Co.), 2001. p. 142-143.
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