Somos, em boa parte,
a medida de nossos antepassados mais imediatos, dando continuidade à progênie
familiar, quer assumamos quer não as influências, positivas ou negativas, que
pais e avós infundiram em nossos rostos ou personalidades, com suas histórias de
vida, legados, valores, orientações, conhecimentos tradicionais.
Neste poema, a figura
do avô em um retrato observa o falante e lhe impõe pesadas raias, naquilo que
se expressa por meio dos infortúnios que experimentara na Rússia, no gueto
(observe-se, Gelman tinha ascendência judaica): uma figura austera, firme na busca
por uma verdade que nem sempre podia ser expressa de forma desvelada, enquanto
resoluto arquiteto de uma amurada de “nuncas”, com “braços” hábeis a assediar
os de sua linhagem, o falante aí incluso.
J.A.R. – H.C.
Juan Gelman
(1930-2014)
Medidas
El abuelo me mira
desde
la foto de siempre,
me mira
desde el fondo de
Rusia y otras desgracias.
Desde el ghetto me
mira. Dicen que
escribió una carta a
Dios para
que inundara las
casas de trigo,
de vino y de pan
ázimo en Pascua,
y ató la carta a la
pata de un pájaro
que voló de país en
país buscando el cielo.
Me mira con las
ojeras lentas
de quien veló el
espanto. Nunca
me levantó en sus
brazos. Nunca
lo tuve, nunca
me tuvo, nunca
es la palabra entre
los dos. Quiso
que la verdad paseara
por la calle
y la cubrió con una
máscara
para que la
quisieran.
Esa máscara es su
rostro en la foto.
Le habrá pedido a
Dios que no
borre ni escriba nada
porque
todo podía ser peor.
La foto
está enferma, levanta
una humareda de
brazos que no se encontrarán.
Empoza su linaje,
me sigue como un
perro.
O Avô
(Vassily I. Zabashta:
pintor ucraniano)
Medidas
A partir da foto de
sempre
olha-me o avô,
olha-me
a partir das entranhas
da Rússia e outros infortúnios.
Olha-me a partir do
gueto. Dizem que
teria escrito uma
carta a Deus para
que inundasse as
casas com trigo,
com vinho e com pão
ázimo na Páscoa,
e amarrou a carta à
perna de um pássaro
que voou de país em
país em busca do céu.
Olha-me com as
olheiras lentas
de quem velou o
espanto. Nunca
ergueu-me em seus
braços. Nunca
o tive, nunca
me teve, nunca
é a palavra entre os
dois. Quis
que a verdade
passeasse pela rua
e cobriu-a com uma
máscara
para que a amassem.
Essa máscara é seu
rosto na foto.
Terá pedido a Deus
para que não
apague nem escreva
nada, porque
tudo poderia ser
pior. A foto
está doente, levanta
uma fumaceira de
braços que jamais se encontrarão.
Empoça a sua
linhagem,
segue-me como um cão.
Referência:
GELMAN, Juan.
Medidas. In: __________. Poesía reunida. Tomo II: 1982-2010. 1. ed.
Buenos Aires, AR: Seix Barral, 2012. p. 278-279. (‘Biblioteca Breve’)
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