Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Roberto Bolaño - Ernesto Cardenal e eu

O autor chileno imagina uma cena hipotética em cujo transcurso dialoga com o sacerdote e poeta nicaraguense acerca das possibilidades de salvação, à luz da doutrina católica, para um elenco de sujeitos que, à média de avaliação da sociedade, não teria nenhumas chances de redenção, a saber, os marginalizados, os discriminados e os que, como Cardenal – um seguidor da denominada “Teologia da Libertação” –, posicionam-se mais à esquerda do espectro político.

 

Mas o que Bolaño perscruta por meio do cenário que logo adiante se levanta não passa muito próximo do que se poderia apreender como uma marcha de redenção com receptividade incondicional, senão como uma acolhida austera: alguém poderia aludir ao lago congelante do nono círculo do Inferno, de Dante. (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Roberto Bolaño

(1953-2003)

 

Ernesto Cardenal y yo

 

Iba caminando, sudado y con el pelo pegado

en la cara

cuando vi a Ernesto Cardenal que venía

en dirección contraria

y a modo de saludo le dije:

Padre, en el Reino de los Cielos

que es el comunismo,

¿tienen un sitio los homosexuales?

Sí, dijo él.

¿Y los masturbadores impenitentes?

¿Los esclavos del sexo?

¿Los bromistas del sexo?

¿Los sadomasoquistas, las putas, los fanáticos

de los enemas,

los que ya no pueden más, los que de verdad

ya no pueden más?

Y Cardenal dijo sí.

Y yo levanté la vista

y las nubes parecían

sonrisas de gatos levemente rosadas

y los árboles que pespunteaban la colina

(la colina que hemos de subir)

agitaban las ramas.

Los árboles salvajes, como diciendo

algún día, más temprano que tarde, has de venir

a mis brazos gomosos, a mis brazos sarmentosos,

a mis brazos fríos. Una frialdad vegetal

que te erizará los pelos.

 

Ernesto Cardenal

(1925-2020)

 

Ernesto Cardenal e eu

 

Estava caminhando, suado e com o cabelo grudado

ao rosto,

quando vi Ernesto Cardenal se aproximando

na direção contrária

e, a modo de saudação, lhe disse:

Padre, no Reino dos Céus

o que é o comunismo,

há um lugar para os homossexuais?

Sim, disse ele.

E para os masturbadores impenitentes?

Para os escravos do sexo?

Para os humoristas do sexo?

Para os sadomasoquistas, as prostitutas, os obcecados

por enemas (*),

para os que já não aguentam mais, os que realmente

já não aguentam mais?

E Cardenal disse que sim.

E eu olhei para cima:

as nuvens pareciam

sorrisos de gatos levemente rosados

e as árvores que pontilhavam a colina

(a colina que temos que escalar)

agitavam os seus ramos.

As árvores selvagens, como se dissessem:

algum dia, mais cedo ou mais tarde, hás de vir

aos meus braços gomosos, aos meus braços sarmentosos,

aos meus braços frios. Uma frieza vegetal

que deixará teus cabelos em pé.

 

Nota:

 

(*). Enemas: lavagens intestinais.

 

Referência:

 

BOLAÑO, Roberto. Ernesto Cardenal y yo. In: __________. Poesía reunida. Prólogo de Manuel Vilas. 1. ed. Madrid, ES: Alfaguara, 2018. p. 391.

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