Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Victor Hugo - A Palavra

Às vezes, emitimos juízos que nem de longe passam pela casa da consciência; outras tantas, nos trancafiamos para podê-los enunciar com mais segurança, mas parece que as paredes têm ouvidos e as palavras então declinadas vão até onde temíamos que fossem – e pronto, passamos a ter um “inimigo mortal”!

 

Pode-se também apreender os versos de Hugo sob a ótica do binômio “falar x silenciar” (em conexão com o provável ditado árabe), o primeiro verbo como um troféu de prata, o segundo como de ouro.

 

Ou, ainda, por meio da máxima de Montaigne, para quem: “Metade da palavra pertence a quem fala e metade a quem escuta” (*). Logo, o falante há de precisar os limites de todas os pensamentos que lhe saem pela boca, pois que, do contrário, o ouvinte poderá conectar, a seu talante, todas as pontas soltas que eventualmente o discurso do emissor houver dispersado no ar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Victor Hugo

(1802-1885)

 

Le Mot

 

Braves gens, prenez garde aux choses que vous dites.

Tout peut sortir d’un mot qu’en passant vous perdîtes.

Tout, la haine et le deuil! Et ne m’objectez pas

Que vos amis sont sûrs et que vous parlez bas.

Écoutez bien ceci:

Tête-à-tête, en pantoufle,

Portes closes, chez vous, sans un témoin qui souffle,

Vous dites à l’oreille au plus mystérieux

De vos amis de cœur, ou, si vous l’aimez mieux,

Vous murmurez tout seul, croyant presque vous taire,

Dans le fond d’une cave à trente pieds sous terre,

Un mot désagréable à quelque individu.

Ce mot que vous croyez qu’on n’a pas entendu,

Que vous disiez si bas dans un lieu sourd et sombre,

Court à peine lâché, part, bondit, sort de l’ombre;

Tenez, il est dehors! Il connaît son chemin;

Il marche, il a deux pieds, un bâton à la main,

De bons souliers ferrés, un passeport en règle;

Au besoin, il prendrait des ailes comme l’aigle!

Il vous échappe, il fuit, rien ne l’arrêtera;

Il suit le quai, franchit la place, et cætera,

Passe l’eau sans bateau dans la saison des crues,

Et va, tout à travers un dédale de rues,

Droit chez l’individu dont vous avez parlé.

Il sait le numéro, l’étage; il a la clé,

Il monte l’escalier, ouvre la porte, passe,

Entre, arrive, et, railleur, regardant l’homme en face,

Dit: – Me voilà! je sors de la bouché d’un tel. –

 

Et c’est fait. Vous avez un ennemi mortel.

 

Demonstração Intervencionista

(Carlo Carrà: pintor italiano)

 

A Palavra

 

Cautela, precaução em tudo o que dizeis.

Tudo pode surgir, todos vós compreendeis,

De uma palavra que se deixa no caminho,

Quer no meio de um grupo ou falando sozinho.

Tudo. O ódio e o luto. E não me repliqueis jamais,

Que o vosso amigo é certo, e que baixo falais.

Escutai isto bem:

Dizei, porta fechada,

A sós, na vossa casa, em sala reservada,

Aos ouvidos do mais circunspecto da grei

Do amigo do peito, um segredo, dizei.

Ou, melhor murmurai quase indistintamente,

Num fundo subterrâneo, uma frase veemente,

Desagradável a um indivíduo qualquer.

E a frase que julgais ninguém ouvido ter,

Que dissestes tão baixo e num lugar sombrio,

Apenas emitida, ela não se demora...

A tal palavra corre e sai da sombra fora;

De olhos fechados sabe o caminho, marchando;

Possui dois pés, e empunha um bastão formidando,

Tem brutais sapatões e um passaporte em regra,

Se é mister, ela toma as asas da águia negra

E vos escapa, e foge, e nada a deterá:

Segue o cais, atravessa a praça, longe está;

Passa a água sem batel na estação das enchentes;

Das ruas através do dédalo animado,

Vai rente ao cidadão de que haveis murmurado.

Sabe o número, o andar, o interior do sobrado;

Leva as chaves; e sobe a alta escada, e abre as portas

E passa e entra e chega; entra até as horas mortas,

E, num riso insidioso, olhando fixamente

O homem que ali está, diz logo, frente a frente:

– Eis-me. Da boca eu vim de um fulano de tal...

 

E pronto. Tendes um inimigo mortal!

 

Nota:

 

(*). Excerto inserto no ensaio “Da experiência” (p. 348-388), mais especificamente à página 366, da seguinte referência: MONTAIGNE, Michel Eyquem de. Ensaios. Livro 3. Trad. de Sérgio Milliet, precedido de ‘Para conhecer o pensamento de Montaigne”, por Maurice Weiler. 2. ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília; Hucitec, 1987.

 

Referências:

 

Em Francês

 

HUGO, Victor. [Le mot]. In: __________. Toute la lyre: oeuvres completes de Victor Hugo. Tome premier. Paris, FR: Nelson Éditeurs, 1872. p. 195-196.

 

Em Português

 

HUGO, Victor. A palavra. Tradução de Álvaro Reis. In: MAGALHÃES JR., R. Antologia de poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p. 195-196.

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