Às vezes, emitimos
juízos que nem de longe passam pela casa da consciência; outras tantas, nos
trancafiamos para podê-los enunciar com mais segurança, mas parece que as
paredes têm ouvidos e as palavras então declinadas vão até onde temíamos que
fossem – e pronto, passamos a ter um “inimigo mortal”!
Pode-se também
apreender os versos de Hugo sob a ótica do binômio “falar x silenciar” (em conexão
com o provável ditado árabe), o primeiro verbo como um troféu de prata, o
segundo como de ouro.
Ou, ainda, por meio
da máxima de Montaigne, para quem: “Metade da palavra pertence a quem fala e
metade a quem escuta” (*). Logo, o falante há de precisar os limites de todas os
pensamentos que lhe saem pela boca, pois que, do contrário, o ouvinte poderá
conectar, a seu talante, todas as pontas soltas que eventualmente o discurso do
emissor houver dispersado no ar.
J.A.R. – H.C.
Victor Hugo
(1802-1885)
Le Mot
Braves gens, prenez
garde aux choses que vous dites.
Tout peut sortir d’un
mot qu’en passant vous perdîtes.
Tout, la haine et le
deuil! Et ne m’objectez pas
Que vos amis sont
sûrs et que vous parlez bas.
Écoutez bien ceci:
Tête-à-tête, en
pantoufle,
Portes closes, chez
vous, sans un témoin qui souffle,
Vous dites à
l’oreille au plus mystérieux
De vos amis de cœur,
ou, si vous l’aimez mieux,
Vous murmurez tout
seul, croyant presque vous taire,
Dans le fond d’une
cave à trente pieds sous terre,
Un mot désagréable à
quelque individu.
Ce mot que vous
croyez qu’on n’a pas entendu,
Que vous disiez si
bas dans un lieu sourd et sombre,
Court à peine lâché,
part, bondit, sort de l’ombre;
Tenez, il est dehors!
Il connaît son chemin;
Il marche, il a deux
pieds, un bâton à la main,
De bons souliers
ferrés, un passeport en règle;
Au besoin, il
prendrait des ailes comme l’aigle!
Il vous échappe, il
fuit, rien ne l’arrêtera;
Il suit le quai,
franchit la place, et cætera,
Passe l’eau sans
bateau dans la saison des crues,
Et va, tout à travers
un dédale de rues,
Droit chez l’individu
dont vous avez parlé.
Il sait le numéro,
l’étage; il a la clé,
Il monte l’escalier,
ouvre la porte, passe,
Entre, arrive, et,
railleur, regardant l’homme en face,
Dit: – Me voilà! je
sors de la bouché d’un tel. –
Et c’est fait. Vous
avez un ennemi mortel.
Demonstração
Intervencionista
(Carlo Carrà: pintor
italiano)
A Palavra
Cautela, precaução em
tudo o que dizeis.
Tudo pode surgir,
todos vós compreendeis,
De uma palavra que se
deixa no caminho,
Quer no meio de um
grupo ou falando sozinho.
Tudo. O ódio e o
luto. E não me repliqueis jamais,
Que o vosso amigo é
certo, e que baixo falais.
Escutai isto bem:
Dizei, porta fechada,
A sós, na vossa casa,
em sala reservada,
Aos ouvidos do mais
circunspecto da grei
Do amigo do peito, um
segredo, dizei.
Ou, melhor murmurai
quase indistintamente,
Num fundo subterrâneo,
uma frase veemente,
Desagradável a um
indivíduo qualquer.
E a frase que julgais
ninguém ouvido ter,
Que dissestes tão baixo
e num lugar sombrio,
Apenas emitida, ela não
se demora...
A tal palavra corre e
sai da sombra fora;
De olhos fechados
sabe o caminho, marchando;
Possui dois pés, e
empunha um bastão formidando,
Tem brutais sapatões
e um passaporte em regra,
Se é mister, ela toma
as asas da águia negra
E vos escapa, e foge,
e nada a deterá:
Segue o cais, atravessa
a praça, longe está;
Passa a água sem
batel na estação das enchentes;
Das ruas através do
dédalo animado,
Vai rente ao cidadão
de que haveis murmurado.
Sabe o número, o
andar, o interior do sobrado;
Leva as chaves; e sobe
a alta escada, e abre as portas
E passa e entra e
chega; entra até as horas mortas,
E, num riso
insidioso, olhando fixamente
O homem que ali está,
diz logo, frente a frente:
– Eis-me. Da boca eu
vim de um fulano de tal...
E pronto. Tendes um
inimigo mortal!
Nota:
(*). Excerto inserto
no ensaio “Da experiência” (p. 348-388), mais especificamente à página 366, da seguinte
referência: MONTAIGNE, Michel Eyquem de. Ensaios. Livro 3. Trad. de
Sérgio Milliet, precedido de ‘Para conhecer o pensamento de Montaigne”, por
Maurice Weiler. 2. ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília; Hucitec,
1987.
Referências:
Em Francês
HUGO, Victor. [Le mot].
In: __________. Toute la lyre: oeuvres completes de Victor Hugo.
Tome premier. Paris, FR: Nelson Éditeurs, 1872. p. 195-196.
Em Português
HUGO, Victor. A
palavra. Tradução de Álvaro Reis. In: MAGALHÃES JR., R. Antologia de poetas
franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p.
195-196.
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