Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 16 de setembro de 2023

Carlos Pellicer - Noturno

Apesar das coisas terem o seu próprio núcleo de complexidade, a exigir maior atenção para desvelar os seus segredos, o poeta reconhece ter um olhar que se limita a pousar sobre a superfície do terreno, “lendo” a cidade com pressa para não perder tempo, como se a urbe representasse apenas um restrito corpo de informações.

 

Nas cercanias desse “olhar urgente”, nada obstante, há uma faculdade latente – preditiva, adivinhatória –, a possibilitar ao ente lírico ter antevisões do que há por trás das aparências, suscitando “repentinos trinados” que lhe permitem intuir o lado substancioso das coisas, mesmo que estas se submetam às contumazes leis da efemeridade de tudo quanto existe.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Pellicer

(1899-1977)

 

Nocturno

 

No tengo tiempo de mirar las cosas

como yo lo deseo.

Se me escurren sobre la mirada

y todo lo que veo

son esquinas profundas rotuladas con radio

donde leo la ciudad para no perder tiempo.

Esta obligada prisa que inexorablemente

quiere entregarme el mundo con un dato pequeño.

¡Este mirar urgente y esta voz en sonrisa

para un joven que sabe morir por cada sueño!

No tengo tiempo de mirar las cosas,

casi las adivino.

Una sabiduría ingénita y celosa

me da miradas previas y repentinos trinos.

Vivo en doradas márgenes; ignoro el central gozo

de las cosas. Desdoblo siglos de oro en mi ser.

Y acelerando rachas – quilla o ala de oro –,

repongo el dulce tiempo que nunca he de tener.

 

En: “6, 7 poemas” (1924)

 

Paisagem enluarada com ponte

(Aert van der Neer: pintor holandês)

 

Noturno

 

Não tenho tempo para olhar as coisas

como desejo.

Escorregam-me por cima do olhar

e tudo o que vejo

são esquinas profundas rotuladas com raio,

onde leio a cidade para não perder tempo.

Esta forçada pressa que inexoravelmente

quer entregar-me o mundo com um dado pequeno.

Este olhar urgente e esta voz em sorriso

a uma jovem que sabe morrer por cada sonho!

Não tenho tempo para olhar as coisas,

quase as adivinho.

Uma sabedoria ingênita e zelosa

dá-me antevisões e repentinos trinados.

Vivo em douradas margens; ignoro o gozo central

das coisas. Desdobro séculos de ouro em meu ser.

E acelerando rajadas – quilha ou asa de ouro –,

reponho o doce tempo que jamais terei.

 

Em: “6, 7 poemas” (1924)

 

Referência:

 

PELLICER, Carlos. Nocturno. In: __________. Material de lectura. Nota introductoria y selección de Guillermo Fernández. 2. ed. México, D.F.: Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), 2007. p. 10. (Serie ‘Poesia Moderna’; v. 1)

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