Apesar das coisas terem
o seu próprio núcleo de complexidade, a exigir maior atenção para desvelar os seus
segredos, o poeta reconhece ter um olhar que se limita a pousar sobre a superfície
do terreno, “lendo” a cidade com pressa para não perder tempo, como se a urbe
representasse apenas um restrito corpo de informações.
Nas cercanias desse “olhar
urgente”, nada obstante, há uma faculdade latente – preditiva, adivinhatória –,
a possibilitar ao ente lírico ter antevisões do que há por trás das aparências,
suscitando “repentinos trinados” que lhe permitem intuir o lado substancioso das coisas, mesmo que estas se submetam às contumazes leis da efemeridade de
tudo quanto existe.
J.A.R. – H.C.
Carlos Pellicer
(1899-1977)
Nocturno
No tengo tiempo de
mirar las cosas
como yo lo deseo.
Se me escurren sobre
la mirada
y todo lo que veo
son esquinas
profundas rotuladas con radio
donde leo la ciudad
para no perder tiempo.
Esta obligada prisa
que inexorablemente
quiere entregarme el
mundo con un dato pequeño.
¡Este mirar urgente y
esta voz en sonrisa
para un joven que
sabe morir por cada sueño!
No tengo tiempo de
mirar las cosas,
casi las adivino.
Una sabiduría
ingénita y celosa
me da miradas previas
y repentinos trinos.
Vivo en doradas
márgenes; ignoro el central gozo
de las cosas.
Desdoblo siglos de oro en mi ser.
Y acelerando rachas –
quilla o ala de oro –,
repongo el dulce
tiempo que nunca he de tener.
En: “6, 7 poemas”
(1924)
Paisagem enluarada
com ponte
(Aert van der Neer:
pintor holandês)
Noturno
Não tenho tempo para
olhar as coisas
como desejo.
Escorregam-me por
cima do olhar
e tudo o que vejo
são esquinas
profundas rotuladas com raio,
onde leio a cidade
para não perder tempo.
Esta forçada pressa
que inexoravelmente
quer entregar-me o
mundo com um dado pequeno.
Este olhar urgente e
esta voz em sorriso
a uma jovem que sabe
morrer por cada sonho!
Não tenho tempo para
olhar as coisas,
quase as adivinho.
Uma sabedoria
ingênita e zelosa
dá-me antevisões e
repentinos trinados.
Vivo em douradas
margens; ignoro o gozo central
das coisas. Desdobro
séculos de ouro em meu ser.
E acelerando rajadas
– quilha ou asa de ouro –,
reponho o doce tempo
que jamais terei.
Em: “6, 7 poemas”
(1924)
Referência:
PELLICER, Carlos.
Nocturno. In: __________. Material de lectura. Nota introductoria y
selección de Guillermo Fernández. 2. ed. México, D.F.: Universidad Nacional
Autónoma de México (UNAM), 2007. p. 10. (Serie ‘Poesia Moderna’; v. 1)
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