A voz lírica sente-se
uma espécie de proscrito, sem um lar autêntico para dar sentido à sua vida,
usufruída “sempre livre”, “sempre só” – o “eu humano é tão mesquinho...” –, em
qualquer que seja o lugar, logo valorado, à luz das circunstâncias, como sendo
a sua pátria, enquanto se engolfa em frívolas ideias, de nostalgias de “países”
por onde jamais terá passado.
Há quem seja assim,
preferindo não seguir o “espírito do rebanho”, e de quem se costuma dizer que,
submerso na solidão, logo há de se transformar em um deus ou em um louco: o
desterritorializado é o seu próprio partido, a sua nação, o nômade intocável
que se recusa a ser condicionado por quaisquer convenções sociais.
J.A.R. – H.C.
Tristan Corbière
(1845-1875)
Paria
Qu’ils se payent des
républiques,
Hommes libres! –
carcan au cou –
Qu’ils peuplent leurs
nids domestiques!...
– Moi je suis le
maigre coucou.
– Moi, – coeur
eunuque, dératé
De ce qui mouille et
ce qui vibre...
Que me chante leur
Liberté,
A moi? toujours seul.
Toujours libre.
Ma Patrie... elle est
par le monde;
Et, puisque la
planète est ronde,
Je ne crains pas d’en
voir le bout...
Ma patrie est où je
la plante:
Terre ou mer, elle est
sous la plante
De mes pieds – quand
je suis debout.
– Quand je suis
couché: ma patrie
C’est la couche seule
et meurtrie
Où je vais forcer
dans mes bras
Ma moitié, comme moi
sans âme;
Et ma moitié: c’est
une femme...
Une femme que je n’ai
pas.
– L’idéal à moi: c’est
un songe
Creux; mon horizon –
l’imprévu –
Et le mal du pays me
ronge...
Du pays que je n’ai
pas vu.
Que les moutons
suivent leur route,
De Carcassonne à
Tombouctou...
– Moi, ma route me
suit. Sans doute
Elle me suivra n’importe
où.
Mon pavillon sur moi
frissonne,
Il a le ciel pour
couronne:
C’est la brise dans
mes cheveux...
Et, dans n’importe
quelle langue;
Je puis subir une
harangue;
Je puis me taire si
je veux.
Ma pensée est un
souffle aride:
C’est l’air. L’air
est à moi partout.
Et ma parole est l’écho
vide
Qui ne dit rien – et
c’est tout.
Mon passé: c’est ce
que j’oublie.
La seule chose qui me
lie
C’est ma main dans
mon autre main.
Mon souvenir – Rien –
C’est ma trace.
Mon présent, c’est
tout ce qui passe
Mon avenir –
Demain... demain.
Je ne connais pas mon
semblable;
Moi, je suis ce que
je me fais.
– Le Moi humain
est haïssable...
– Je ne m’aime ni ne
me hais.
– Allons! la vie est
une fille
Qui m’a pris à son
bon plaisir...
Le miens, c’est: la
mettre en guenille,
La prostituer sans
désir.
– Des dieux?... – Par
hasard j’ai pu naître;
Peut–être en est–il –
par hasard...
Ceux–là, s’ils
veulent me connaître,
Me trouveront bien
quelque part.
– Où que je meure: ma
patrie
S’ouvrira bien, sans
qu’on l’en prie,
Assez grande pour mon
linceul...
Un linceul encor:
pour que faire?...
Puisque ma patrie est
en terre
Mon os ira bien là
tout seul...
Sociedade de párias
(Maribel Cortes: artista
espanhola)
Pária
Que eles paguem por
seus países,
Homens livres! – sob
o trabuco –
E povoem ninhos
felizes!...
– Eu, porém, sou o
magro cuco.
– Coração eunuco,
amputado
De tudo o que molhe
ou que vibre...
A Liberdade é um hino
aguado
Pra mim: sempre só.
Sempre livre.
– A minha Pátria... é
todo o mundo;
E já que o planeta é
rotundo,
Não temo ver seu fim
qual é...
Pátria é onde o meu
ser se planta:
Terra ou mar, está
sob a planta
De meus pés – quando
estou de pé.
Quando me deito, a
pátria amada
É a cama triste e
maltratada
Onde eu espalmo em
minha palma
A metade, como eu sem
alma;
Cara metade: é uma
dama...
A metade da minha
cama.
– Uma ideia oca
constrói
Meu ideal; meta – o
imprevisto –
Mas a nostalgia me
rói...
Do país por mim nunca
visto.
Que os carneiros
sigam a rota
De Carcassonne a Finisterra...
– Minha rota me
segue. A idiota
Me seguirá por toda a
terra.
Meu pendão sobre mim
revoa,
Tendo só o céu por
coroa:
É a brisa no meu
cabelo...
Não importa a língua
a dizê-lo.
Topo qualquer papo
furado;
E também sei ficar
calado.
Meu pensamento é um
sopro frio:
É o ar. O ar que me
cerca, mudo.
Minha palavra, o eco
vazio
Que não diz nada – e
isso é tudo.
O meu passado não me
intriga.
A única coisa que me
liga
É a minha mão na
outra, irmã.
Minha memória – Nada.
– Traça.
O meu presente é o
que se passa
No futuro – Amanhã...
amanhã.
Eu não conheço o meu
vizinho;
Eu sou aquilo que eu
me creio.
– O eu humano é tão
mesquinho...
Eu não me amo nem me
odeio.
– Vamos! a vida é uma
garota
Que me convida para
um beijo...
Meu desejo é: deixá-la
rota,
Prostituí-la sem
desejo.
– Os Deuses?... – Por
acaso eu vim;
Talvez existam – por
acaso...
Eles, decerto, ao
cabo e ao fim,
Me encontrarão, se
for o caso.
– Minha pátria,
quando eu morrer,
Se abrirá bem para
acolher
O pó que a mortalha
encerra.
Uma mortalha pra meu
pó?
Se a minha pátria é a
própria terra
Meu osso vai se dar
bem, só.
Referência:
CORBIÈRE, Tristan.
Paria / Pária. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Organização
e Tradução). verso reverso contraverso. 2. ed. revista. São Paulo, SP:
Perspectiva, 1988. Em francês: p. 238, 240 e 242; em português: p. 239, 241 e
243. (Coleção ‘Signos’).
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