Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 3 de setembro de 2023

Tristan Corbière - Pária

A voz lírica sente-se uma espécie de proscrito, sem um lar autêntico para dar sentido à sua vida, usufruída “sempre livre”, “sempre só” – o “eu humano é tão mesquinho...” –, em qualquer que seja o lugar, logo valorado, à luz das circunstâncias, como sendo a sua pátria, enquanto se engolfa em frívolas ideias, de nostalgias de “países” por onde jamais terá passado.

 

Há quem seja assim, preferindo não seguir o “espírito do rebanho”, e de quem se costuma dizer que, submerso na solidão, logo há de se transformar em um deus ou em um louco: o desterritorializado é o seu próprio partido, a sua nação, o nômade intocável que se recusa a ser condicionado por quaisquer convenções sociais.

 

J.A.R. – H.C.

 

Tristan Corbière

(1845-1875)

 

Paria

 

Qu’ils se payent des républiques,

Hommes libres! – carcan au cou –

Qu’ils peuplent leurs nids domestiques!...

– Moi je suis le maigre coucou.

 

– Moi, – coeur eunuque, dératé

De ce qui mouille et ce qui vibre...

Que me chante leur Liberté,

A moi? toujours seul. Toujours libre.

 

Ma Patrie... elle est par le monde;

Et, puisque la planète est ronde,

Je ne crains pas d’en voir le bout...

Ma patrie est où je la plante:

Terre ou mer, elle est sous la plante

De mes pieds – quand je suis debout.

 

– Quand je suis couché: ma patrie

C’est la couche seule et meurtrie

Où je vais forcer dans mes bras

Ma moitié, comme moi sans âme;

Et ma moitié: c’est une femme...

Une femme que je n’ai pas.

 

– L’idéal à moi: c’est un songe

Creux; mon horizon – l’imprévu –

Et le mal du pays me ronge...

Du pays que je n’ai pas vu.

 

Que les moutons suivent leur route,

De Carcassonne à Tombouctou...

– Moi, ma route me suit. Sans doute

Elle me suivra n’importe où.

 

Mon pavillon sur moi frissonne,

Il a le ciel pour couronne:

C’est la brise dans mes cheveux...

Et, dans n’importe quelle langue;

Je puis subir une harangue;

Je puis me taire si je veux.

 

Ma pensée est un souffle aride:

C’est l’air. L’air est à moi partout.

Et ma parole est l’écho vide

Qui ne dit rien – et c’est tout.

 

Mon passé: c’est ce que j’oublie.

La seule chose qui me lie

C’est ma main dans mon autre main.

Mon souvenir – Rien – C’est ma trace.

Mon présent, c’est tout ce qui passe

Mon avenir – Demain... demain.

 

Je ne connais pas mon semblable;

Moi, je suis ce que je me fais.

Le Moi humain est haïssable...

– Je ne m’aime ni ne me hais.

– Allons! la vie est une fille

Qui m’a pris à son bon plaisir...

Le miens, c’est: la mettre en guenille,

La prostituer sans désir.

 

– Des dieux?... – Par hasard j’ai pu naître;

Peut–être en est–il – par hasard...

Ceux–là, s’ils veulent me connaître,

Me trouveront bien quelque part.

 

– Où que je meure: ma patrie

S’ouvrira bien, sans qu’on l’en prie,

Assez grande pour mon linceul...

Un linceul encor: pour que faire?...

Puisque ma patrie est en terre

Mon os ira bien là tout seul...

 

Sociedade de párias

(Maribel Cortes: artista espanhola)

 

Pária

 

Que eles paguem por seus países,

Homens livres! – sob o trabuco –

E povoem ninhos felizes!...

– Eu, porém, sou o magro cuco.

 

– Coração eunuco, amputado

De tudo o que molhe ou que vibre...

A Liberdade é um hino aguado

Pra mim: sempre só. Sempre livre.

 

– A minha Pátria... é todo o mundo;

E já que o planeta é rotundo,

Não temo ver seu fim qual é...

Pátria é onde o meu ser se planta:

Terra ou mar, está sob a planta

De meus pés – quando estou de pé.

 

Quando me deito, a pátria amada

É a cama triste e maltratada

Onde eu espalmo em minha palma

A metade, como eu sem alma;

Cara metade: é uma dama...

A metade da minha cama.

 

– Uma ideia oca constrói

Meu ideal; meta – o imprevisto –

Mas a nostalgia me rói...

Do país por mim nunca visto.

 

Que os carneiros sigam a rota

De Carcassonne a Finisterra...

– Minha rota me segue. A idiota

Me seguirá por toda a terra.

 

Meu pendão sobre mim revoa,

Tendo só o céu por coroa:

É a brisa no meu cabelo...

Não importa a língua a dizê-lo.

Topo qualquer papo furado;

E também sei ficar calado.

 

Meu pensamento é um sopro frio:

É o ar. O ar que me cerca, mudo.

Minha palavra, o eco vazio

Que não diz nada – e isso é tudo.

 

O meu passado não me intriga.

A única coisa que me liga

É a minha mão na outra, irmã.

Minha memória – Nada. – Traça.

O meu presente é o que se passa

No futuro – Amanhã... amanhã.

 

Eu não conheço o meu vizinho;

Eu sou aquilo que eu me creio.

– O eu humano é tão mesquinho...

Eu não me amo nem me odeio.

 

– Vamos! a vida é uma garota

Que me convida para um beijo...

Meu desejo é: deixá-la rota,

Prostituí-la sem desejo.

 

– Os Deuses?... – Por acaso eu vim;

Talvez existam – por acaso...

Eles, decerto, ao cabo e ao fim,

Me encontrarão, se for o caso.

 

– Minha pátria, quando eu morrer,

Se abrirá bem para acolher

O pó que a mortalha encerra.

Uma mortalha pra meu pó?

Se a minha pátria é a própria terra

Meu osso vai se dar bem, só.

 

Referência:

 

CORBIÈRE, Tristan. Paria / Pária. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Organização e Tradução). verso reverso contraverso. 2. ed. revista. São Paulo, SP: Perspectiva, 1988. Em francês: p. 238, 240 e 242; em português: p. 239, 241 e 243. (Coleção ‘Signos’).

Nenhum comentário:

Postar um comentário