Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Sampurna Chattarji - Uma Lembrança das Toras

A poetisa indiana discorre sobre uma pessoa de sexo feminino que se relembra de coisas que se passaram ainda quando menina, oportunidade em que teria resgatado um garoto de um potencial acidente envolvendo toras flutuantes em balanço, e que pouco mais tarde – pela ironia do destino ?! – veio a tornar-se o seu próprio esposo.

 

Afora o lado mais pungente das aventadas linhas, a cena muito recapitula o que se passa também na Amazônia, com o transporte ilegal de madeira extraída à floresta pelas águas do rio, em direção a madeireiras que as tratam de alguma forma e as comercializam não só no mercado local quanto no internacional, num tipo de extrativismo predatório, tanto mais em razão da quase ausência de reflorestamento e da fragilidade do solo da grande “Hileia”, com o grave perigo de desertificação.

 

Mas a floresta tem ardido como nunca nos anos recentes, com a conivência – e até mesmo a incitação – das autoridades governamentais!

 

J.A.R. – H.C.

 

Sampurna Chattarji

(n. 1970)

 

A Memory of Logs

 

She understands nothing of this place,

and so it moves her.

The thought of faraway children

walking trancelike into the water

towards a hope of mussels.

 

She has married one of those children.

Tall, he walks beside her, boylike

in the memory of logs

that almost trapped him,

the old story made new

by the flutter of light,

the whisper of wood,

the wobble of the boat at her feet.

 

The timber factory sleeps.

Long ago,

a square patch of safety, rumble-bellied,

resisting the monotony of land,

tempted the boys to walk on water.

(And how it must have felt,

the lurch of shifting log,

solid melting into a panic of sunlight

snapping shut in a gridlock of fear?)

 

She feels the tug of tears,

certain as the hand that pulled out the boy

who sits beside her on this plank,

warm with sun, and ageing.

 

Balsa de madeira

(Frances Ann Hopkins: pintora inglesa)

 

Uma Lembrança das Toras

 

Nada ela entende deste lugar,

então isso a comove.

O pensamento orientado a crianças distantes

movendo-se em transe pela água

ao encontro de uma promessa de mexilhões.

 

Ela se casou com uma dessas crianças.

Alto, ele caminha ao lado dela, como um menino

na memória das toras que quase o prendiam,

a velha história tornada nova

pelo tremular da luz,

o sussurro da madeira,

a oscilação do batel a seus pés.

 

A fábrica de barrotes adormece.

Há bastante tempo,

essa nesga quadrada invulnerável, com um ventre

fragoroso,

resistindo à monotonia da terra,

aliciara os meninos para fazê-los andar sobre a água.

(E como deve ter sido a sensação,

a oscilação da tora em movimento,

o sólido a se derreter em um pânico de luz solar,

fechando-se repentinamente num gargalo de medo?)

 

Ela sente o impulso das lágrimas,

segura como a mão que puxou para fora o menino

que está sentado ao seu lado nesta prancha,

acalorado pelo sol, e a envelhecer.

 

Referência:

 

CHATTARJI, Sampurna. A memory of logs. In: THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets. New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 356.

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