Há muito de
religioso, de místico, nas obras do poeta catarinense, muito mais em
conformidade, talvez, com o “clima” pio das cidades interioranas mineiras – numa
das quais veio a falecer – do que o do Estado que lhe viu nascer: as imagens esboçadas
nestes versos, bem assim os cantos e as reportadas sonatas de Beethoven,
reforçam a tese de que o falante perscruta as tardes a partir das naves de um
templo, quiçá uma igreja gótica, com direito a órgão e a todos os elementos decorativos
e litúrgicos característicos da religião católica.
Apenas como contraponto,
consigno que, à maneira de Baudelaire – decerto uma influente referência –, há
nos poemas de Cruz e Sousa, também, inúmeros registros associados a conciliábulos
satanistas – contam-se, em toda a sua obra poética, quase duas dezenas de
menções a Satã ou termos que lhe são derivados –, como que a demarcar a natureza
espiritualmente ambígua do poeta, a transitar entre a beatitude e a transgressão,
o sagrado e o profano, o angelical e o mefistofélico.
J.A.R. – H.C.
Cruz e Sousa
(1861-1898)
Vesperal
Tardes de ouro para
harpas dedilhadas
Por sacras
solenidades
De catedrais em
pompa, iluminadas
Com rituais
majestades.
Tardes para
quebrantos e surdinas
E salmos virgens e
cantos
De vozes celestiais,
de vozes finas
De surdinas e
quebrantos...
Quando através de altas
vidraçarias
De estilos góticos,
graves,
O sol, no poente,
abre tapeçarias,
Resplandecendo nas
naves...
Tardes augustas,
bíblicas, serenas,
Com silêncio de
ascetérios
E aromas leves,
castos, de açucenas
Nos claros ares
sidéreos...
Tardes de campos repousados,
quietos,
Nos longes
emocionantes...
De rebanhos saudosos,
de secretos
Desejos vagos,
errantes...
Ó Tardes de
Beethoven, de sonatas,
De um sentimento
aéreo e velho...
Tardes da antiga
limpidez das pratas,
De Epístolas do
Evangelho!...
Em: “Broquéis” (1893)
A igreja em Auvers
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Referência:
SOUSA, Cruz e.
Vesperal. In: SOUSA, Cruz e. Obra completa. Vol. I: poesia. Organização
e estudo por Lauro Junkes. Jaraguá do Sul, SC: Avenida, 2008. p. 405.
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