Esta recolha de
silogismos do pensador romeno, aglutinados em conformidade aos designativos
atribuídos pelo autor a cada seção da obra, diz respeito ao que nela há de mais
importante no que tange ao teatro e à literatura, manifestações artísticas que
têm a palavra como veículo preferencial para a mensagem a ser repassada ao respectivos
públicos-alvo.
Há um pouco de tudo nos
pensamentos de Cioran, menos qualquer coisa que se assemelhe a um transigir com
a espécie humana: insolência, sarcasmo, desespero, contraversão, misantropia. E
a par de tudo isso, os aforismos transportam o ímpeto de sua integridade
intelectual. Se rimos com Cioran, é porque, no domínio do que seja humano, nada
é certo senão a incerteza! (Assim, quase nos avizinhamos de Nietzsche, quando formula
a noção de “transvaloração de todos os valores” [rs]).
J.A.R. – H.C.
Emil Cioran
(1911-1995)
Atrofia do Verbo
Tantas páginas,
tantos livros que foram, para nós, fontes de emoção e que relemos para estudar
a qualidade dos advérbios ou a propriedade dos adjetivos! (CIORAN, 2011, p. 11)
Se Molière tivesse se
concentrado em seus abismos, Pascal – com o seu – teria parecido um jornalista.
(CIORAN, 2011, p. 12)
Shakespeare: encontro
de uma rosa e de um machado... (CIORAN, 2011, p. 14)
Ser um Raskolnikov –
sem a desculpa do homicídio. (CIORAN, 2011, p. 14)
Todo ocidental
atormentado faz pensar em um herói de Dostoievski que tivesse uma conta no
banco. (CIORAN, 2011, p. 16)
Baudelaire introduziu
a fisiologia na poesia; Nietzsche, na filosofia. Com eles, as perturbações dos
órgãos se elevaram a canto e a conceito. Proscritos da saúde, cabia a eles
assegurar uma carreira à doença. (CIORAN, 2011, p. 17)
Se Nietzsche, Proust,
Baudelaire ou Rimbaud sobrevivem às flutuações da moda, devem isso à gratuidade
de sua crueldade, à sua cirurgia demoníaca, à generosidade de seu fel. O que
faz durar uma obra, o que a impede de envelhecer é sua ferocidade. Afirmação
gratuita? Considere o prestígio do Evangelho, livro agressivo, livro venenoso
entre todos. (CIORAN, 2011, p. 17)
Macbeth: um estoico
do crime, um Marco Aurélio com um punhal. (CIORAN, 2011, p. 18)
Goethe, artista
completo, é nosso antípoda. Alheio ao inacabado, a esse ideal moderno da
perfeição, negou-se a compreender os riscos de seus contemporâneos; quanto aos
seus, assimilou-os tão bem que não os sofreu de maneira alguma. Seu claro
destino nos desmoraliza; após havê-lo esquadrinhado tentando em vão descobrir
nele segredos sublimes ou sórdidos, ficamos com as palavras de Rilke: “Não
tenho órgãos para Goethe.” (CIORAN, 2011, p. 19)
Admiraria com prazer
Omar Khayyan, suas tristezas sem réplica, se ele não tivesse conservado uma
última ilusão: infelizmente ainda acreditava no vinho. (CIORAN, 2011, p.
22)
Ocidente
Dom Quixote
representa a juventude de uma civilização: ele se inventava acontecimentos; nós
não sabemos como escapar aos que nos perseguem. (CIORAN, 2011, p. 47)
“Nós, civilizações,
sabemos agora que somos mortais.” Sendo nosso mal a história, o eclipse da
história, devemos insistir nas palavras de Valéry, agravar seu alcance: sabemos
agora que a civilização é mortal, que galopamos em direção a horizontes de
apoplexia, a milagres do pior, à idade de ouro do pânico. (CIORAN, 2011, p. 48)
O Circo da Solidão
César? Dom Quixote?
Qual dos dois, em minha presunção, eu gostaria de tomar como modelo? Pouco
importa. O fato é que um dia parti de uma região longínqua à conquista do
mundo, de todas as perplexidades do mundo... (CIORAN, 2011, p. 57)
Quem nunca
contradisse seus instintos, quem nunca se impôs um longo período de ascese
sexual ou desconheça por completo as depravações da abstinência, será
completamente alheio tanto à linguagem do crime como a do êxtase; jamais
compreenderá as obsessões do marquês de Sade ou as de São João da Cruz.
(CIORAN, 2011, p. 65)
Vitalidade do Amor
Por que o “coche
fúnebre do Matrimônio” (The Marriage Hearse)? Por que não o coche
fúnebre do Amor? Como é lamentável a restrição de Blake! (CIORAN, 2011, p. 82)
Onan, Sade, Masoch,
que felizardos! Seus nomes, assim como suas proezas, não envelhecerão jamais.
(CIORAN, 2011, p. 83)
Nas Raízes do Vazio
A Verdade?
Encontra-se em Shakespeare; um filósofo não poderia apropriar-se dela sem
explodir com seu sistema. (CIORAN, 2011, p. 104)
Os meditativos e os
carnais: Pascal e Tolstoi. Interessar-se pela morte ou detestá-la, descobri-la
pelo espírito ou pela fisiologia. Com instintos minados, Pascal superou as suas
inquietações, enquanto que Tolstoi, furioso de ter que perecer, lembra um
elefante espavorido, uma selva devastada. Não se pode meditar nos equadores
do sangue. (CIORAN, 2011, p. 108)
O golpe no coração
(René Magritte:
artista belga)
Referência:
CIORAN, Emil. Silogismos
da amargura. Tradução José Thomaz Brum. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2011.
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