Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Emil Cioran - Silogismos da Amargura (sobre teatro e literatura)

Esta recolha de silogismos do pensador romeno, aglutinados em conformidade aos designativos atribuídos pelo autor a cada seção da obra, diz respeito ao que nela há de mais importante no que tange ao teatro e à literatura, manifestações artísticas que têm a palavra como veículo preferencial para a mensagem a ser repassada ao respectivos públicos-alvo.

 

Há um pouco de tudo nos pensamentos de Cioran, menos qualquer coisa que se assemelhe a um transigir com a espécie humana: insolência, sarcasmo, desespero, contraversão, misantropia. E a par de tudo isso, os aforismos transportam o ímpeto de sua integridade intelectual. Se rimos com Cioran, é porque, no domínio do que seja humano, nada é certo senão a incerteza! (Assim, quase nos avizinhamos de Nietzsche, quando formula a noção de “transvaloração de todos os valores” [rs]).

 

J.A.R. – H.C.

 

Emil Cioran

(1911-1995)

 

Atrofia do Verbo

 

Tantas páginas, tantos livros que foram, para nós, fontes de emoção e que relemos para estudar a qualidade dos advérbios ou a propriedade dos adjetivos! (CIORAN, 2011, p. 11)

 

Se Molière tivesse se concentrado em seus abismos, Pascal – com o seu – teria parecido um jornalista. (CIORAN, 2011, p. 12)

 

Shakespeare: encontro de uma rosa e de um machado... (CIORAN, 2011, p. 14)

 

Ser um Raskolnikov – sem a desculpa do homicídio. (CIORAN, 2011, p. 14)

 

Todo ocidental atormentado faz pensar em um herói de Dostoievski que tivesse uma conta no banco. (CIORAN, 2011, p. 16)

 

Baudelaire introduziu a fisiologia na poesia; Nietzsche, na filosofia. Com eles, as perturbações dos órgãos se elevaram a canto e a conceito. Proscritos da saúde, cabia a eles assegurar uma carreira à doença. (CIORAN, 2011, p. 17)

 

Se Nietzsche, Proust, Baudelaire ou Rimbaud sobrevivem às flutuações da moda, devem isso à gratuidade de sua crueldade, à sua cirurgia demoníaca, à generosidade de seu fel. O que faz durar uma obra, o que a impede de envelhecer é sua ferocidade. Afirmação gratuita? Considere o prestígio do Evangelho, livro agressivo, livro venenoso entre todos. (CIORAN, 2011, p. 17)

 

Macbeth: um estoico do crime, um Marco Aurélio com um punhal. (CIORAN, 2011, p. 18)

 

Goethe, artista completo, é nosso antípoda. Alheio ao inacabado, a esse ideal moderno da perfeição, negou-se a compreender os riscos de seus contemporâneos; quanto aos seus, assimilou-os tão bem que não os sofreu de maneira alguma. Seu claro destino nos desmoraliza; após havê-lo esquadrinhado tentando em vão descobrir nele segredos sublimes ou sórdidos, ficamos com as palavras de Rilke: “Não tenho órgãos para Goethe.” (CIORAN, 2011, p. 19)

 

Admiraria com prazer Omar Khayyan, suas tristezas sem réplica, se ele não tivesse conservado uma última ilusão: infelizmente ainda acreditava no vinho. (CIORAN, 2011, p. 22)

 

Ocidente

 

Dom Quixote representa a juventude de uma civilização: ele se inventava acontecimentos; nós não sabemos como escapar aos que nos perseguem. (CIORAN, 2011, p. 47)

 

“Nós, civilizações, sabemos agora que somos mortais.” Sendo nosso mal a história, o eclipse da história, devemos insistir nas palavras de Valéry, agravar seu alcance: sabemos agora que a civilização é mortal, que galopamos em direção a horizontes de apoplexia, a milagres do pior, à idade de ouro do pânico. (CIORAN, 2011, p. 48)

 

O Circo da Solidão

 

César? Dom Quixote? Qual dos dois, em minha presunção, eu gostaria de tomar como modelo? Pouco importa. O fato é que um dia parti de uma região longínqua à conquista do mundo, de todas as perplexidades do mundo... (CIORAN, 2011, p. 57)

 

Quem nunca contradisse seus instintos, quem nunca se impôs um longo período de ascese sexual ou desconheça por completo as depravações da abstinência, será completamente alheio tanto à linguagem do crime como a do êxtase; jamais compreenderá as obsessões do marquês de Sade ou as de São João da Cruz. (CIORAN, 2011, p. 65)

 

Vitalidade do Amor

 

Por que o “coche fúnebre do Matrimônio” (The Marriage Hearse)? Por que não o coche fúnebre do Amor? Como é lamentável a restrição de Blake! (CIORAN, 2011, p. 82)

 

Onan, Sade, Masoch, que felizardos! Seus nomes, assim como suas proezas, não envelhecerão jamais. (CIORAN, 2011, p. 83)

 

Nas Raízes do Vazio

 

A Verdade? Encontra-se em Shakespeare; um filósofo não poderia apropriar-se dela sem explodir com seu sistema. (CIORAN, 2011, p. 104)

 

Os meditativos e os carnais: Pascal e Tolstoi. Interessar-se pela morte ou detestá-la, descobri-la pelo espírito ou pela fisiologia. Com instintos minados, Pascal superou as suas inquietações, enquanto que Tolstoi, furioso de ter que perecer, lembra um elefante espavorido, uma selva devastada. Não se pode meditar nos equadores do sangue. (CIORAN, 2011, p. 108)

 

O golpe no coração

(René Magritte: artista belga)

 

Referência:

 

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Tradução José Thomaz Brum. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2011.

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