Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 26 de abril de 2022

Alfredo Fressia - Diário de Caça

Neste sugestivo poema, o vate uruguaio relata uma espécie de excursão noturna do ente lírico pelas terras da Babilônia, ou melhor, pelos seus rios, jardins suspensos, nas imediações do paraíso edênico, em companhia de marinheiros, no figurado intento de resgatar algo que lhe excita a memória no âmbito de um imaginário náutico.

 

O poema bem poderia ser interpretado como imagens que acorreram em um sonho ao falante, diante do feitio de sua sentença de abertura – “Durou toda a noite.” –, tanto mais em função das alusões ao lendário clássico, em particular ao centauro a lhe afiar dentes e unhas, denotando, desse modo, que os instintos passaram a dominar a razão, permitindo o afloramento de sôfregos impulsos. O que diria Freud?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Alfredo Fressia

(n. 1948)

 

Diario de Caza

 

Duró toda la noche. Navegamos

más allá de las columnas, lejos los bosques

donde ríe una diosa y las estrellas

sin memoria apuntaban al lunario. Yo les robo los pétalos

a las plantas carnívoras del jardín de las delicias.

Acecho sobre la escotilla, enhebro collares vegetales

para los tripulantes de efímeras gargantas. Mis dedos ágiles

siguen la línea sinuosa en el elzevir.

Estos son los ríos de Babilonia, se suben

en busca del olvido y vuelven siempre

soberbios como un planeta. A veces me detengo

en los jardines suspendidos del imperio, y ejercito

la muerte en mis últimos torneos de cetrería.

El Centauro me afiló los dientes y las uñas, tengo

la avidez de trece lunas llenas, y del viaje sólo recuerdo

unas cartas de navegación hundidas, una cacería

de altura y el canto de los marineros.

 

En: “Eclipse” (2003)

 

O Centauro

(Michael Parkes: artista norte-americano)

 

Diário de Caça

 

Durou toda a noite. Navegamos

bem além das colunas, longe dos bosques

onde sorri uma deusa e as estrelas

sem memória apontavam para o lunário (1). Roubo-lhes

as pétalas

das plantas carnívoras no jardim das delícias.

Espreito por cima da escotilha, ensarto colares vegetais

para os tripulantes de efêmeras gargantas. Meus dedos ágeis

seguem a linha sinuosa no elzevir (2).

Estes são os rios da Babilônia: erguem-se

em busca do esquecimento e sempre regressam

soberbos como um planeta. Às vezes, detenho-me

nos jardins suspensos do império, e exercito

a morte em meus últimos torneios de falcoaria.

O Centauro afiou-me os dentes e as unhas, tenho

a avidez de treze luas cheias, e da viagem só me lembro

de algumas cartas de navegação submersas, de uma alta

caçada e do canto dos marinheiros.

 

Em: “Eclipse” (2003)

 

Notas:

 

(1). Lunário: calendário que registra o tempo em cada quarto de lua no ano, cobrindo, portanto, as fases do satélite em seu ciclo completo.

 

(2). Elzevir: um estilo de impressão, originariamente holandês, com traços fortes e serifas atarracadas, o que denota, no verso, a ideia de um tomo publicado com tais características.

 

Referência:

 

FRESSIA, Alfredo. Diario de caza. In: HALADYNA, Ronald (Ed.). Contemporary uruguayan poetry. A bilingual anthology: Spanish x English. Introduction, english translations, bibliographies and notes by the editor. Lewisburg, PA: Bucknell University Press, 2010. p. 216.

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