Neste sugestivo
poema, o vate uruguaio relata uma espécie de excursão noturna do ente lírico pelas
terras da Babilônia, ou melhor, pelos seus rios, jardins suspensos, nas imediações
do paraíso edênico, em companhia de marinheiros, no figurado intento de
resgatar algo que lhe excita a memória no âmbito de um imaginário náutico.
O poema bem poderia
ser interpretado como imagens que acorreram em um sonho ao falante, diante do
feitio de sua sentença de abertura – “Durou toda a noite.” –, tanto mais em
função das alusões ao lendário clássico, em particular ao centauro a lhe afiar
dentes e unhas, denotando, desse modo, que os instintos passaram a dominar a
razão, permitindo o afloramento de sôfregos impulsos. O que diria Freud?!
J.A.R. – H.C.
Alfredo Fressia
(n. 1948)
Diario de Caza
Duró toda la noche.
Navegamos
más allá de las
columnas, lejos los bosques
donde ríe una diosa y
las estrellas
sin memoria apuntaban
al lunario. Yo les robo los pétalos
a las plantas
carnívoras del jardín de las delicias.
Acecho sobre la
escotilla, enhebro collares vegetales
para los tripulantes
de efímeras gargantas. Mis dedos ágiles
siguen la línea
sinuosa en el elzevir.
Estos son los ríos de
Babilonia, se suben
en busca del olvido y
vuelven siempre
soberbios como un
planeta. A veces me detengo
en los jardines
suspendidos del imperio, y ejercito
la muerte en mis
últimos torneos de cetrería.
El Centauro me afiló
los dientes y las uñas, tengo
la avidez de trece
lunas llenas, y del viaje sólo recuerdo
unas cartas de
navegación hundidas, una cacería
de altura y el canto
de los marineros.
En: “Eclipse” (2003)
O Centauro
(Michael Parkes:
artista norte-americano)
Diário de Caça
Durou toda a noite.
Navegamos
bem além das colunas,
longe dos bosques
onde sorri uma deusa
e as estrelas
sem memória apontavam
para o lunário (1). Roubo-lhes
as pétalas
das plantas
carnívoras no jardim das delícias.
Espreito por cima da escotilha,
ensarto colares vegetais
para os tripulantes
de efêmeras gargantas. Meus dedos ágeis
seguem a linha
sinuosa no elzevir (2).
Estes são os rios da
Babilônia: erguem-se
em busca do esquecimento
e sempre regressam
soberbos como um
planeta. Às vezes, detenho-me
nos jardins suspensos
do império, e exercito
a morte em meus
últimos torneios de falcoaria.
O Centauro afiou-me
os dentes e as unhas, tenho
a avidez de treze
luas cheias, e da viagem só me lembro
de algumas cartas de
navegação submersas, de uma alta
caçada e do canto dos
marinheiros.
Em: “Eclipse” (2003)
Notas:
(1). Lunário:
calendário que registra o tempo em cada quarto de lua no ano, cobrindo,
portanto, as fases do satélite em seu ciclo completo.
(2). Elzevir: um
estilo de impressão, originariamente holandês, com traços fortes e serifas
atarracadas, o que denota, no verso, a ideia de um tomo publicado com tais
características.
Referência:
FRESSIA, Alfredo. Diario de caza. In: HALADYNA, Ronald (Ed.). Contemporary uruguayan poetry. A bilingual anthology: Spanish x English. Introduction, english translations, bibliographies and notes by the editor. Lewisburg, PA: Bucknell University Press, 2010. p. 216.
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