Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 28 de abril de 2022

John Clare - Eu sou

Por trás dos tormentos mentais e dos infortúnios do poeta, a mensagem subjacente a estes versos é a de que ninguém o compreende ou com ele se importa, daí a sensação de isolamento e de perda de sentido para a vida, logo vislumbrada em seu ponto terminal – num túmulo, “com a grama por baixo e o céu por cima”.

 

Abatimento, desapontamento e solidão configuram o pior dos “mundos possíveis” para quem se exaure em suas próprias aflições, ou melhor, exprime-se por meio de uma diatribe de autocomiseração: preso a um vórtice de abstrações, o ente lírico alheia-se mais e mais na distância, infundindo-nos a quase convicção de que não haverá reversão aos seus passos nessa trilha.

 

J.A.R. – H.C.

 

John Clare

(1793-1864)

Retrato de William Hilton

 

I am

 

I am: yet what I am none cares or knows,

My friends forsake me like a memory lost,

I am the self – consume r of my woes –

They rise and vanish in oblivous host,

Like shadows in love’s frenzied stifled throes:

And yet I am, and live – like vapours tost

 

In to the nothingness of scom and noise,

Into the living sea of waking dreams,

Where there is neither sense oflife or joys,

But the vast shipwreck of my life’s esteems;

Even the dearest, that I love the best,

Are strange – nay, rather stranger than the rest.

 

I long for scenes, where man hath never trod,

A place where woman never smiled or wept –

There to abide with my Creator, God,

And sleep as I in childhood sweetly slept,

Untroubling, and untroubled where I lie,

The grass below – above the vaulted sky.

 

A Pregação de São João Batista

(Abraham Bloemaert: pintor holandês)

 

Eu sou

 

Eu sou: o que agora sou ninguém quer saber;

Amigos me abandonaram, fútil haver;

Eu mesmo consumo minhas paixões feéricas –

Elas nascem e se esfumam em chão estéril,

Abafados espasmos de amor delirante –:

Mas sou, vivo – como vapores tremulantes

 

Em meio a um nada ruidoso e escamescente,

Em meio a um vivo mar de sonhos vigilantes,

Onde não há sentido de vida ou alegrias,

Só ’o cru naufrágio de minhas aporias;

E a mais desejada, que me faz e desfaz,

É-me estranha – ou pior, mais estranha que as mais.

 

Aspiro a lugares por homem não pisados,

Cenário não visto por mulher, nem pranteado –

Para lá conviver com meu Criador, Deus,

Dormir como na infância, leve, junto aos meus,

Desanuviado, e confortado onde me encontro,

A grama por baixo – por cima o céu redondo.

 

Referência:

 

CLARE, John. I am / Eu sou. Tradução de Luís Augusto Fischer. In: FISCHER, Luís Augusto. Alguns poemas do britânico John Clare. Organon. Revista do Instituto de Letras da UFRGS, Porto Alegre, v. 7, n. 20, 1993. Em inglês: p. 90; em português: p. 91. Disponível neste endereço. Acesso em: 22 jan. 2021.

 

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