Por trás dos tormentos
mentais e dos infortúnios do poeta, a mensagem subjacente a estes versos é a de
que ninguém o compreende ou com ele se importa, daí a sensação de isolamento e
de perda de sentido para a vida, logo vislumbrada em seu ponto terminal – num
túmulo, “com a grama por baixo e o céu por cima”.
Abatimento, desapontamento
e solidão configuram o pior dos “mundos possíveis” para quem se exaure em suas próprias
aflições, ou melhor, exprime-se por meio de uma diatribe de autocomiseração:
preso a um vórtice de abstrações, o ente lírico alheia-se mais e mais na
distância, infundindo-nos a quase convicção de que não haverá reversão aos seus
passos nessa trilha.
J.A.R. – H.C.
John Clare
(1793-1864)
Retrato de William
Hilton
I am
I am: yet what I am
none cares or knows,
My friends forsake me
like a memory lost,
I am the self – consume
r of my woes –
They rise and vanish
in oblivous host,
Like shadows in
love’s frenzied stifled throes:
And yet I am, and
live – like vapours tost
In to the nothingness
of scom and noise,
Into the living sea
of waking dreams,
Where there is neither
sense oflife or joys,
But the vast
shipwreck of my life’s esteems;
Even the dearest,
that I love the best,
Are strange – nay,
rather stranger than the rest.
I long for scenes,
where man hath never trod,
A place where woman
never smiled or wept –
There to abide with
my Creator, God,
And sleep as I in
childhood sweetly slept,
Untroubling, and
untroubled where I lie,
The grass below –
above the vaulted sky.
A Pregação de São
João Batista
(Abraham Bloemaert:
pintor holandês)
Eu sou
Eu sou: o que agora
sou ninguém quer saber;
Amigos me
abandonaram, fútil haver;
Eu mesmo consumo
minhas paixões feéricas –
Elas nascem e se
esfumam em chão estéril,
Abafados espasmos de
amor delirante –:
Mas sou, vivo – como
vapores tremulantes
Em meio a um nada ruidoso
e escamescente,
Em meio a um vivo mar
de sonhos vigilantes,
Onde não há sentido
de vida ou alegrias,
Só ’o cru naufrágio
de minhas aporias;
E a mais desejada,
que me faz e desfaz,
É-me estranha – ou
pior, mais estranha que as mais.
Aspiro a lugares por
homem não pisados,
Cenário não visto por
mulher, nem pranteado –
Para lá conviver com
meu Criador, Deus,
Dormir como na
infância, leve, junto aos meus,
Desanuviado, e
confortado onde me encontro,
A grama por baixo –
por cima o céu redondo.
Referência:
CLARE, John. I am / Eu sou. Tradução de Luís Augusto Fischer. In: FISCHER, Luís Augusto. Alguns poemas do britânico John Clare. Organon. Revista do Instituto de Letras da UFRGS, Porto Alegre, v. 7, n. 20, 1993. Em inglês: p. 90; em português: p. 91. Disponível neste endereço. Acesso em: 22 jan. 2021.
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