Danton, Marat,
Robespierre, Saint-Just são os títulos dos infratranscritos poemas, todos eles redigidos
pelo autor de “Os Sertões”, para os quais também traslado, mais ao fim, as
notas de rodapé esgrimidas por Adelino Brandão, grande conhecedor da biografia
e da obra literária do escritor e jornalista fluminense.
Esclareça-se que, a
menos de Marat – assassinado em sua banheira por Charlotte Corday (v. pintura
abaixo, de Jacques-Louis David), esta, sim, guilhotinada –, todos os demais –
Danton, Robespierre e Saint-Just – foram executados por meio do referido
instrumento, o qual serviu para decapitar quase três mil “inimigos da Revolução”,
em Paris (FR).
J.A.R. – H.C.
Euclides da Cunha
(1866-1909)
Dantão (1)
(CUNHA, 2005, p. 26)
Parece-me que o vejo
iluminado,
Erguendo delirante a
grande fronte
– De um povo inteiro
o fúlgido horizonte
Cheio de luz, de
ideias constelado!
De seu crânio vulcão –
a rubra lava
Foi que gerou essa
sublime aurora
– Noventa e três (2) –
e a levantou sonora
Na fronte audaz da
populaça brava!
Olhando para história
– um século e a lente
Que mostra-me o seu
crânio resplandente
Do passado através o
véu profundo...
Há muito que tombou,
mas inquebrável
De sua voz o eco
formidável
Estruge ainda na
razão do mundo!
Retrato de Georges
Danton
(1759-1794)
Por Constance M.
Charpentier
Marat (3)
(CUNHA, 2005, p. 27)
Foi a alma cruel das
barricadas!...
Misto de luz e
lama!... se ele ria,
As púrpuras (4)
gelavam-se e rangia
Mais de um trono, se
dava gargalhadas!...
Fanático da luz...
porém seguia
Do crime as torvas,
lívidas pisadas.
Armava, à noite, aos
corações ciladas,
Batia o despotismo à
luz do dia.
No seu cérebro
tremente negrejavam
Os planos mais cruéis
e cintilavam
As ideias mais bravas
e brilhantes.
Há muito que um
punhal gelou-lhe o seio...
Passou... deixou na
história um rastro cheio
De lágrimas e luzes
ofuscantes.
A Morte de Marat
(1743-1793)
Pintura de
Jacques-Louis David
Robespierre (5)
(CUNHA, 2005, p. 28-29)
Alma inquebrável –
bravo sonhador
De um fim brilhante,
de um poder ingente,
De seu cérebro audaz,
a luz ardente
É que gerava a treva
do Terror (6)!
Embuçado num lívido
fulgor,
Su’alma colossal,
cruel, potente,
Rompe as idades,
lúgubre, tremente,
Cheia de glórias,
maldições e dor!
Há muito que,
soberba, essa’alma ardida
Afogou-se cruenta e
destemida
– Num dilúvio de luz.
Noventa e três... (7)
Há muito já que
emudeceu na história
Mas ainda hoje a sua
atroz memória
É o pesadelo mais
cruel dos reis!...
Maximilien de
Robespierre
(1758-1794)
Pintor anônimo
Saint-Just (8)
(CUNHA, 2005, p. 30-31)
“Un discours de
Saint-Just donnait tout de suite
un caractere terrible
au débat...” (9)
(RAFFY: Procès de
Louis XVI)
Quando à tribuna ele
se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso
das paixões audazes –
Ardente o lábio de
terríveis frases
E a luz do génio em
seu olhar fulgindo,
A tirania estremeceu
nas bases,
De um rei na fronte
ressumou, pungindo (10),
Um suor de morte e um
terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos
sequazes... (11)
Uma alma nova
ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito
uma esperança,
De um sono acordou,
firme, o Direito –
E a Europa – o mundo –
mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob
o verbo seu
As comoções que em
séculos não sofreu!... (12)
Louis A. L. de
Saint-Just
(1767-1794)
Por Pierre-Paul Prud’hon
Notas de Adelino
Brandão:
(1). Dantão:
Danton (1759-1794). Advogado e político francês. Revolucionário. Desempenhou
papel de destaque durante a Revolução Francesa (1789). Foi ministro da Justiça,
deputado e membro do Conselho Executivo Provisório de 1792. Grande orador.
Guilhotinado em Paris, em 1793, durante o “Terror”. Euclides lhe grafa o nome
de acordo com as tradições e regras vernáculas, hoje esquecidas. Este soneto
está datado de 1883. (CUNHA, 2005, p. 26)
(2). Noventa e
três: referência ao ano de 1793, de grande significado na história da
Revolução Francesa, quando foi aprovada a Constituição do Ano 1, da República.
Período do “Terror”, com a vitória dos radicais (Robespierre) e a instalação da
guerra civil entre republicanos e realistas (partidários da monarquia deposta).
(CUNHA, 2005, p. 26)
(3). Marat:
jornalista e político revolucionário francês, da extrema esquerda (1743-1793).
Fundador e redator do jornal popular L’Ami du peuple. Deputado, eleito
por Paris, decidiu pela condenação à morte de Luís XVI. Morreu apunhalado por
Carlota Corday, quando tomava um banho de banheira. Este soneto é datado de
1883. (CUNHA, 2005, p. 27)
(4). Púrpura:
cor vermelha; matéria corante vermelha, utilizada antigamente para tingir
mantos e tecidos ricos, usados pelos imperadores, césares, reis, cardeais, etc.
Símbolo da nobreza e alta dignidade. Figura de retórica empregada pelo poeta
com o significado de “tronos”, “coroas”, os “reis”, a monarquia, o poder real,
o absolutismo reinante. (CUNHA, 2005, p. 27)
(5). Robespierre:
político francês (1758-1794). Advogado. Deputado na Assembleia Constituinte de
1785, como representante do Terceiro Estado (o Povo, isto é, a
burguesia). Os outros dois Estados ou classes sociais eram a Nobreza e o
Clero. Esses “Estados” desapareceram com a Revolução Francesa. Apelidado “O
Incorruptível”, por sua rigidez moral. Dominando a anarquia revolucionária,
impôs-se como ditador da França e instalou o “Grande Terror”, com a eliminação
dos partidos da oposição. Uma coligação de moderados derrubou-o, julgou-o por
crimes contra o povo e o condenou à guilhotina, com outros seguidores. Poema
datado de 1883. (CUNHA, 2005, p. 28)
(6). Terror:
nome dado a dois períodos da Revolução Francesa: o Primeiro Terror
(agosto e setembro de_1792) se caracterizou pela prisão do rei Luís XVI, quando
ele fugia para a Áustria, e a consequente invasão da França pela Prússia. O Segundo
Terror (setembro de 1793 a julho de 1794) caracterizou-se pela ditadura de
Robespierre, a eliminação do partido dos girondinos (moderados) e o julgamento
perante o Tribunal Revolucionário de numerosos suspeitos de atividades contrarrevolucionárias
e de oposição a Robespierre, com a condenação à guilhotina de muitos deles. O
regime despótico de Robespierre acabou levando-o, igualmente, a ser deposto e
guilhotinado. (CUNHA, 2005, p. 28)
(7). Veja a nota n°
2, mais acima. (CUNHA, 2005, p. 28)
(8). Saint-Just:
político francês (1767-1794). Deputado na Convenção (1792), amigo de Robespierre.
Membro do partido radical (jacobinos). Advogou a execução do rei, sem
julgamento, e bateu-se por uma república igualitarista. Foi apelidado de “O
Teórico do Terror”. Ministro do Exército, foi derrubado do poder com
Robespierre e foi, com este, condenado à guilhotina. (CUNHA, 2005, p. 30)
(9). “Um discurso de
Saint-Just dava, imediatamente, um caráter terrível ao debate...” (CUNHA, 2005,
p. 30)
(10). Pungir:
causar grande dor moral. (CUNHA, 2005, p. 30)
(11). Cortesãos
sequazes: aduladores, bajuladores que seguem atrás do rei; que vivem na
Corte ou nos palácios dos nobres e governantes, à custa de elogios aos que
estão no poder; “puxa-sacos”. (CUNHA, 2005, p. 30)
(12). Esses quatro
sonetos dedicados a Danton, Marat, Robespierre e Saint-Just refletem bem a
admiração de Euclides pela Revolução Francesa, o ideal republicano e as figuras
históricas por ele celebradas. Deve-se essa predileção às influências do prof.
Caldeira, português, antimonarquista (que se mudou para o Brasil, por motivos
políticos), fundador e diretor do Colégio Caldeira, na cidade de São Fidélis,
na antiga província do Rio de Janeiro, onde Euclides cursou o segundo grau. (CUNHA,
2005, p. 31)
Referência:
CUNHA, Euclides. Ondas.
Organização, pesquisa e notas de Adelino Brandão. São Paulo, SP: Martin Claret,
2005.
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