Lembranças de uma relação
amorosa (ou seria melhor dizer erótica?!) são o tema destas seis quintilhas, por
meio das quais o ente lírico pondera sobre a sua felicidade passada, esperando
revivê-la no futuro, no instante mesmo em que são evocadas imagens de um suntuoso
sol que aos poucos se põe – cena tantas vezes associada à passagem do tempo e ao
expirar.
A mulher amada, atraente
e de hálito “venenoso”, também exerce a função de “mãe”, especificamente no que
tange ao engendro das memórias do falante, sendo os laços assim mantidos semelhantes
aos de um filho que se posta ao seu regaço, exigindo-lhe carícias. E, diante
dessa aparente dualidade, se pode apreender com mais contundência o sentido dos
versos preambulares: “Tu, todo o meu prazer! Tu, todo o meu dever!”
J.A.R. – H.C.
Charles Baudelaire
(1821-1867)
Le Balcon
Mère des souvenirs,
maîtresse des maîtresses,
Ô toi, tous mes
plaisirs! ô toi, tous mes devoirs!
Tu te rappelleras la
beauté des caresses,
La douceur du foyer
et le charme des soirs,
Mère des souvenirs,
maîtresse des maîtresses!
Les soirs illuminés
par l’ardeur du charbon,
Et les soirs au
balcon, voilés de vapeurs roses.
Que ton sein m’était
doux! que ton coeur m’était bon!
Nous avons dit
souvent d’impérissables choses
Les soirs illuminés
par l’ardeur du charbon.
Que les soleils sont
beaux dans les chaudes soirées!
Que l’espace est
profond! que le coeur est puissant!
En me penchant vers
toi, reine des adorées,
Je croyais respirer
le parfum de ton sang.
Que les soleils sont
beaux dans les chaudes soirées!
La nuit s’épaississait
ainsi qu’une cloison,
Et mes yeux dans le
noir devinaient tes prunelles,
Et je buvais ton
souffle, ô douceur! ô poison!
Et tes pieds s’endormaient
dans mes mains fraternelles.
La nuit s’épaississait
ainsi qu’une cloison.
Je sais l’art d’évoquer
les minutes heureuses,
Et revis mon passé
blotti dans tes genoux.
Car à quoi bon
chercher tes beautés langoureuses
Ailleurs qu’en ton
cher corps et qu’en ton coeur si doux?
Je sais l’art d’évoquer
les minutes heureuses!
Ces serments, ces
parfums, ces baisers infinis,
Renaîtront-ils d’un
gouffre interdit à nos sondes,
Comme montent au ciel
les soleils rajeunis
Après s’être lavés au
fond des mers profondes?
– Ô serments! ô
parfums! ô baisers infinis!
Varanda em Buenos
Aires
(Fabian Perez:
artista argentino)
A Varanda
Mãe das recordações,
amante das amantes,
Tu, todo o meu
prazer! Tu, todo o meu dever!
Hás de lembrar-te das
carícias incessantes,
Da doçura do lar à
luz do entardecer,
Mãe das recordações,
amante das amantes!
As tardes à lareira,
ao calor do carvão,
E as tardes na
varanda, entre róseos matizes.
Quão doce era o seu
seio e meigo coração!
Dissemo-nos os dois
as coisas mais felizes
Nas tardes à lareira,
ao calor do carvão!
Quão soberbo era o
sol nas tardes douradas!
Que profundo era o
espaço e como a alma era langue!
Curvado sobre ti,
rainha das amadas,
Eu julgava aspirar o
aroma de teu sangue.
Quão soberbo era o
sol nessas tardes douradas!
A noite se adensava
igual a uma clausura,
E no escuro os meus
olhos viam-te as pupilas;
Teu hálito eu sorvia,
ó veneno, ó doçura!
E dormiam teus pés em
minhas mãos tranquilas.
A noite se adensava
igual a uma clausura.
Sei a arte de evocar
as horas mais ditosas,
E revivo o passado
imerso em teu regaço.
Para que procurar
belezas voluptuosas
Se as encontro em teu
corpo e em teu cálido abraço?
Sei a arte de evocar
as horas mais ditosas.
Juras de amor,
perfumes, beijos infinitos,
De um fundo abismo
onde não chegam nossas sondas
Voltareis, como o sol
retorna aos céus benditos
Depois de mergulhar
nas mais profundas ondas?
– Juras de amor,
perfumes, beijos infinitos!
Referência:
BAUDELAIRE, Charles.
Le balcon / A varanda. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. As flores
do mal. Texto integral. Apresentação de Marcelo Jacques. Tradução,
introdução e notas de Ivan Junqueira. Edição especial. Rio de Janeiro, RJ: Nova
Fronteira, 2012. Em francês: p. 198 e 200; em português: p. 199 e 201. (Coleção
‘Saraiva de Bolso’)
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