Trasladando-se ao
tempo e ao lugar de sua infância, o poeta costa-riquenho conjuga os verbos no
presente – e não no passado, como seria de se esperar –, haja vista que sente
as experiências daqueles momentos como se vigentes, vívidas num plano
existencial a refletir o curso de um sonho ameno, pleno de indubitáveis imagens
de si mesmo.
A chuva a que se refere
Azofeifa, a par de ser um fenômeno climatológico assaz comum em seu país natal –
assente em terras tropicais –, é também símbolo de renovação e de fertilização,
até mesmo de purificação, habilitando o espírito ao trânsito de novos ciclos vivificantes:
tudo parece, à primeira vista, muito particular à infância do falante, e, ao
mesmo tempo, tão generalizadamente aplicável a cada um dos leitores, os quais,
da chuva, poderão absorver os seus próprios sentidos, interpretações, formas de
a minudenciar.
J.A.R. – H.C.
Isaac Felipe Azofeifa
(1909-1997)
Se oye venir la
lluvia
La casa de mi
infancia es de barro del suelo a la teja,
y de maderas apenas
descuajadas, que en outro tiempo
obedecieron
hachas y azuelas en
los cercanos bosques.
El gran filtro de
piedra vierte en ella, tan grande,
su agua de fresca
sombra.
Yo amo su silencio,
que el fiel reloj del comedor vigila.
Me escondo en los
muebles inmensos.
Abro la despensa para
asustarme un poco
del tragaluz, que
hace oscuros los rincones.
Corro aventuras
inauditas cuando entro
en el huerto cerrado
que me está prohibido.
En la penumbra de la
tarde, que va cayendo lenta
sobre el mundo, el
grillo del hogar canta de pronto,
y su estribillo
triste riega en el aire quieto,
paz y sueño sabrosos.
Cuando venían las
lluvias miraba los largos aguaceiros
desde el ancho cajón
de las ventanas.
Nunca huele a tierra
tanto como esa tarde.
Se oye la lluvia
primero en el aire venir como um gigante
que se demora, lento,
se detiene y no llega,
y luego, están ahí
sus pies sobre las hojas, tamborileando,
rápidos, mojando,
y lavando sus manos
deprisa, tan deprisa, los árboles,
el césped, los
arroyos,
los alambres, los
techos, las canoas.
Pero también su
llanto desolado,
su sinrazón de ser
triste, su acabarse de pronto,
sin objeto ni adiós,
para siempre en mi
infancia, para siempre.
Llueve en mi alma
ahora, como entonces.
Tempestade a irromper
numa rota campestre
(F. C. Kiaerskou:
pintor dinamarquês)
Ouve-se vir a chuva
A casa de minha
infância é de barro, do piso ao telhado,
e de madeiras que mal
foram extraídas, noutro tempo
desbastadas por
machados e enxós nos
bosques ao redor.
O grande filtro de
pedra nela verte, tão abundante,
sua água de fresca
sombra.
Amo o seu silêncio, pelo
qual zela o fiel relógio da
sala de jantar.
Escondo-me entre os
móveis imensos.
Abro a despensa para
me assustar um pouco
com a claraboia, a
tornar os cantos escuros.
Passo por inauditas
aventuras quando entro
no pomar fechado que
me é proibido.
No crepúsculo da
tarde, em lenta queda
sobre o mundo, o
grilo da lareira canta de repente,
e seu triste
estribilho asperge no ar calmo,
paz e sonho
agradáveis.
Quando vinham as
chuvas, observava os longos aguaceiros
a partir da ampla
moldura das janelas.
Nunca cheira tanto a
terra como naquela tarde.
Ouve-se primeiro a
chuva no ar, vindo como um gigante
que se demora,
abranda, para e não chega,
e depois, há os seus
pés sobre as folhas, tamborilando,
rápidos, suas mãos a molhar
e a lavar depressa,
tão depressa, as árvores,
a relva, os riachos,
os fios, os tetos, as
canoas.
Mas também o seu
pranto desolado,
sua sem-razão em ser
triste, o seu fim repentino,
sem propósito nem
adeus,
para sempre em minha infância,
para sempre.
Chove em minha alma
agora, como então.
Referência:
AZOFEIFA, Isaac
Felipe. Se oye venir la lluvia. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas
latinoamericanos. 1. ed. México, DF: CIDCLI, 1997. p. 72-73. (‘Coedición
Latinoamericana’)
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