Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Isaac Felipe Azofeifa - Ouve-se vir a chuva

Trasladando-se ao tempo e ao lugar de sua infância, o poeta costa-riquenho conjuga os verbos no presente – e não no passado, como seria de se esperar –, haja vista que sente as experiências daqueles momentos como se vigentes, vívidas num plano existencial a refletir o curso de um sonho ameno, pleno de indubitáveis imagens de si mesmo.

 

A chuva a que se refere Azofeifa, a par de ser um fenômeno climatológico assaz comum em seu país natal – assente em terras tropicais –, é também símbolo de renovação e de fertilização, até mesmo de purificação, habilitando o espírito ao trânsito de novos ciclos vivificantes: tudo parece, à primeira vista, muito particular à infância do falante, e, ao mesmo tempo, tão generalizadamente aplicável a cada um dos leitores, os quais, da chuva, poderão absorver os seus próprios sentidos, interpretações, formas de a minudenciar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Isaac Felipe Azofeifa

(1909-1997)

 

Se oye venir la lluvia

 

La casa de mi infancia es de barro del suelo a la teja,

y de maderas apenas descuajadas, que en outro tiempo

obedecieron

hachas y azuelas en los cercanos bosques.

El gran filtro de piedra vierte en ella, tan grande,

su agua de fresca sombra.

Yo amo su silencio, que el fiel reloj del comedor vigila.

Me escondo en los muebles inmensos.

 

Abro la despensa para asustarme un poco

del tragaluz, que hace oscuros los rincones.

Corro aventuras inauditas cuando entro

en el huerto cerrado que me está prohibido.

En la penumbra de la tarde, que va cayendo lenta

sobre el mundo, el grillo del hogar canta de pronto,

y su estribillo triste riega en el aire quieto,

paz y sueño sabrosos.

 

Cuando venían las lluvias miraba los largos aguaceiros

desde el ancho cajón de las ventanas.

Nunca huele a tierra tanto como esa tarde.

Se oye la lluvia primero en el aire venir como um gigante

que se demora, lento, se detiene y no llega,

y luego, están ahí sus pies sobre las hojas, tamborileando,

rápidos, mojando,

y lavando sus manos deprisa, tan deprisa, los árboles,

el césped, los arroyos,

los alambres, los techos, las canoas.

 

Pero también su llanto desolado,

su sinrazón de ser triste, su acabarse de pronto,

sin objeto ni adiós,

para siempre en mi infancia, para siempre.

 

Llueve en mi alma ahora, como entonces.

 

Tempestade a irromper numa rota campestre

(F. C. Kiaerskou: pintor dinamarquês)

 

 

Ouve-se vir a chuva

 

A casa de minha infância é de barro, do piso ao telhado,

e de madeiras que mal foram extraídas, noutro tempo

desbastadas por

machados e enxós nos bosques ao redor.

O grande filtro de pedra nela verte, tão abundante,

sua água de fresca sombra.

Amo o seu silêncio, pelo qual zela o fiel relógio da

sala de jantar.

Escondo-me entre os móveis imensos.

 

Abro a despensa para me assustar um pouco

com a claraboia, a tornar os cantos escuros.

Passo por inauditas aventuras quando entro

no pomar fechado que me é proibido.

No crepúsculo da tarde, em lenta queda

sobre o mundo, o grilo da lareira canta de repente,

e seu triste estribilho asperge no ar calmo,

paz e sonho agradáveis.

 

Quando vinham as chuvas, observava os longos aguaceiros

a partir da ampla moldura das janelas.

Nunca cheira tanto a terra como naquela tarde.

Ouve-se primeiro a chuva no ar, vindo como um gigante

que se demora, abranda, para e não chega,

e depois, há os seus pés sobre as folhas, tamborilando,

rápidos, suas mãos a molhar

e a lavar depressa, tão depressa, as árvores,

a relva, os riachos,

os fios, os tetos, as canoas.

 

Mas também o seu pranto desolado,

sua sem-razão em ser triste, o seu fim repentino,

sem propósito nem adeus,

para sempre em minha infância, para sempre.

 

Chove em minha alma agora, como então.

 

Referência:

 

AZOFEIFA, Isaac Felipe. Se oye venir la lluvia. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos. 1. ed. México, DF: CIDCLI, 1997. p. 72-73. (‘Coedición Latinoamericana’)

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