Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 19 de abril de 2022

Mario Benedetti - Interview

Os versos deste poema contêm respostas a perguntas sobre o infinito, a política, o estilo e o amor, que teriam sido formuladas por um hipotético entrevistador ao poeta, sendo que, em relação aos três primeiros, o falante revela a sua descrença e, quanto ao último – o amor –, julga ser a mais “séria” de todas as experiências humanas.

 

Como se nota, estão aí dois dos principais elementos temáticos da poesia de Benedetti, a saber, a política e o amor, pois que a literatura sempre há de manter algum liame com a realidade, abrindo-nos as portas descortinadoras de outros mundos, outras possibilidades de existência, com liberdade, compromisso e assunção dos riscos consectários.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mario Benedetti

(1920-2009)

 

Interview

 

No es ninguna molestia

explicarle qué pienso del infinito

el infinito es

sencillamente

un agrio viento frío

que eriza las mucosas

la piel

y las metáforas

le pone a uno en los ojos

lágrimas de rutina

y en la garganta un nudo

de sortilegio

seguramente usted ya se dio cuenta

en el fondo no creo

que exista el infinito.

 

Bueno sobre política

jesús

sobre política

mi bisabuelo que era liberal

espiaba a las criadas en el baño

mi abuelo el reaccionario

extraviaba la llave de sus deudas

mi padre el comunista

compraba hectáreas con gesto de asco

yo soy poeta

señor

y usted debe saber que los poetas

vivimos a la vuelta de este mundo

claro que usted quizá no tenga tiempo

para tener paciencia

pero debe conocer que en el fondo

yo no creo en la política.

 

Por supuesto el estilo

qué pienso del estilo

una cosa espontánea que se va haciendo sola

siempre escribí en la cama

mucho mejor que en los ferrocarriles

qué más puedo agregar

ah domino el sinónimo módico exíguo

corto insuficiente

siempre escribo pensando en el futuro

pero el futuro

se quedó sin magia

me olvidaba que usted

ya sabe que en el fondo

yo no creo en el estilo.

 

El amor el amor

ah caramba

el amor

por lo pronto me gusta

la mujer

bueno fuera

el alma

el corazón

sobre todo las piernas

poder alzar la mano

y encontrarla a la izquierda

tranquila

o intranquila

sonriendo desde el pozo

de su última modorra

o mirando mirando

como a veces se mira

un rato antes del beso

después de todo

usted y yo sabemos

que en el fondo

el amor

el amor

es una cosa seria.

 

Por favor

esto último

no vaya a publicarlo.

 

Dois viajantes

(Jack Butler Yeats: artista irlandês)

 

Interview

 

Não é nenhum incômodo

explicar-lhe o que penso do infinito

o infinito é

simplesmente

um rude vento frio

que arrepia as mucosas

a pele

e as metáforas

e nos põe nos olhos

lágrimas de rotina

e na garganta um nó

de sortilégio

seguramente você já se deu conta

que no fundo não creio

que exista o infinito.

 

Bem sobre política

jesus

sobre política

meu bisavô que era liberal

espiava as criadas no banheiro

meu avô o reacionário

extraviava as chaves de suas dívidas

meu pai comunista

comprava hectares com um gesto de nojo

eu sou poeta

meu senhor

e você deve saber que os poetas

vivemos na virada desse mundo

claro que você talvez não tenha tempo

para ter paciência

mas deve saber que no fundo

eu não acredito na política.

 

Logicamente o estilo

o que penso do estilo

uma coisa espontânea que se vai fazendo só

sempre escrevi na cama

muito melhor que nos trens

que mais posso acrescentar

ah domino o sinônimo módico exíguo

curto insuficiente

sempre escrevo pensando no futuro

mas o futuro

ficou sem magia

me esquecia que você

já sabe que no fundo

eu não acredito no estilo.

 

O amor o amor

ah caramba

o amor

de cara me agrada

a mulher

bom seria

a alma

o coração

sobretudo as pernas

poder levantar a mão

e encontrar a esquerda

tranquila

ou intranquila

sorrindo desde o poço

da sua última preguiça

ou olhando olhando

como às vezes se olha

um pouco antes do beijo

depois de tudo

você e eu sabemos

que no fundo

o amor

o amor

é uma coisa séria.

 

Por favor

isto último

não vá publicar.

 

Referência:

 

BENEDETTI, Mario. Interview. Tradução de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Edição bilíngue. Seleção, tradução e apresentação de Julio Luís Gehlen. Ilustrações de Luiz Trimano. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p. 224, 226 e 228; em português: p. 225, 227 e 229.

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