Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Magda Portal - Um domingo qualquer

Este poema foi escrito pela poetisa, feminista e ativista peruana quando de sua estadia em Buenos Aires (AR), lá pelos inícios da década dos 50 do século passado: perante um domingo que amanheceu chuvoso, Portal contempla a capital argentina, parece-me, menos com um olhar neutral do que por uma perspectiva privada, subjetiva, talvez enredada na mesma solidão que vê profusamente a pairar sobre a cidade.

 

Dúvidas sobre o tempo são suscitadas, idem as possibilidades de afazeres para “um domingo qualquer”, mas nada que lhe traga ao espírito o ânimo ardente dos cidadãos portenhos. Antes: raros os versos nos quais se abordam potenciais contatos humanos. A cidade, como a muitos, parece-lhe um sítio de pedra onde se dissemina a indiferença e o insulamento.

 

J.A.R. – H.C.

 

Magda Portal

(1900-1989)

 

Un domingo cualquiera

 

Hoy es domingo aqui    en Buenos Aires

amaneció lloviendo

lento caer del agua sucia de hollín    de tierra

sobre las veredas

sobre el asfalto o el adoquinado

 

Domingo    un domingo cualquiera

¿también será domingo en otras partes?

¿habrá lluvia o habrá sol?

¿barnizará la tierra su silencio

de chimeneas humeantes

de casas grises de gestos sin elocuencia?

¿Caerá la lluvia detrás de los cristales

royendo el hierro o el cemento?

 

¿Habrá risas y gritos de muchachos

corno campanas de luz?

 

Habrá las avenidas del recuerdo

los caminos de tierra    con hierba humedecida

y los perros de ojos lacrimosos

que dan ganas de decirles “hermano”

 

Pero aquí en Buenos Aires no hay ni eso

 

Domingo con cinema

con paseos con olor a mar aunque haga frío

¡La pequeña ciudad sin artificios!

 

Aquí la soledad puebla todos los ecos

los rebalsa con su agua salobre

aquí el atardecer no pinta incendios

el sol no alcanza a trepar los rascacielos

y la línea lejana del crepúsculo

se hunde en el río inmenso

 

Los árboles prisioneros

uniformados por el humo

no templan la guitarra de los pájaros

 

Hay un grito sin voz que rasga el tiempo

y que se pierde sin destino

 

Hay un deseo atroz

de amurallarse el alma

en el gran sueño

 

[Buenos Aires, 1950]

 

En: “Constancia del ser” (1965)

 

Domingo no Parque

(Cyprien-Eugène Boulet: pintor francês)

 

Um domingo qualquer

 

Hoje é domingo aqui    em Buenos Aires

amanheceu chovendo

lento cair de água com laivos de fuligem    de terra

sobre as calçadas

sobre o asfalto ou os paralelepípedos

 

Domingo    um domingo qualquer

também será domingo noutros lugares?

haverá chuva ou haverá sol?

envernizará a terra o seu silêncio

de fumegantes chaminés

de casas cinzentas de gestos sem eloquência?

Cairá a chuva por trás das vidraças

corroendo o ferro e o cimento?

 

Haverá risos e gritos de crianças

como sinos de luz?

 

Haverá as avenidas da memória

os caminhos de terra    com grama molhada

e os cães de olhos lacrimosos

que dão vontade de dizer-lhes “irmãos”

 

Mas aqui em Buenos Aires nem isso há

 

Domingo com cinema

com passeios, com os eflúvios do mar

ainda que faça frio

A pequena cidade sem artifícios!

 

Aqui a solidão povoa todos os ecos

transborda-os com a sua água salobra

aqui o entardecer não pinta incêndios

o sol não chega a escalar os arranha-céus

e a linha distante do crepúsculo

imerge no rio imenso

 

As árvores cativas

uniformizadas pela fumaça

não dão o tom ao violão dos pássaros

 

Há um grito sem voz que rasga o tempo

e que se perde sem destino

 

Há um desejo atroz

de se enclausurar a alma

no sono infinito

 

[Buenos Aires, 1950]

 

En: “Constância do ser” (1965)

 

Referência:

 

PORTAL, Magda. Un domingo cualquiera. In: __________. Obra poética completa. Edición, prólogo, notas y cronología de Daniel R. Reedy. Lima, PE: Fondo de Cultura Económica, 2010. p. 275-276. (Colección ‘Tierra Firme’)

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