Sem sinais de pontuação, num fluxo livre que subentende as inflexões da fala pelo corte e sucessão dos versos, bem assim as iniciais grafadas em maiúsculas ou minúsculas, Horta, “insubmissa” e “transgressiva”, entrelaça o trajeto da escrita do poema no próprio renque da vida, navegando contra ventos contrários, em mescla de paixão e de melancolia.
Sete são os tercetos, a rememorar o número de dias da Criação, e uma linha final solta, sumariando o estado anímico de desalento que, talvez, sendo conatural ao temperamento da poetisa, seja exatamente a mola propulsora desse apetite sôfrego pela escrita – reveladora dos meandros de sua alma, das assombrações que lhe assaltam o coração.
J.A.R. – H.C.
Maria Teresa Horta
(n. 1937)
Trajecto na Escrita
Vou entrançando
o traçado
do meu trajecto na escrita
Consulto os mapas da alma
o júbilo, a assombração
do coração a desdita
os atlas da insubmissão
as cartas dos oceanos
os versos, a alegoria
Vou navegando à bolina
por entre ventos contrários
e ondas enraivecidas
com a bússola da transgressão
os astrólogos dos dias
e as palavras da poesia
Vou atando e desatando
o destino e a desdita
misturando os nós dos mares
com o anelo da paixão
o alvoroço da vida
as dúvidas da harmonia
e a minha melancolia
Um Escritor
(Noura K: artista belga)
Referência:
HORTA, Maria Teresa. Trajecto na
escrita. In: __________. Estranhezas. 1. ed. Lisboa, PT: Publicações Dom
Quixote, out. 2018. p. 20-21.
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