Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Charles Péguy - Hino à Noite

É Deus quem fala enquanto ente lírico enunciador deste poema, representativo do que, conforme se descreve no Gênesis, teria ocorrido durante o primeiro dia da criação: às trevas teria denominado “noite”, as quais, por ora, evocam-lhe o “grande silêncio que havia no mundo”, antes que se iniciasse o império do homem, esse vivente a par com tanto estrépito, tamanha barulhada.

 

As parlendas do Eterno estendem-se ao poder que a noite tem para adormecer as criaturas que concebera, mesmo as mais inquietas – como o “cavalo fogoso” e a “laboriosa formiga” –, além do homem, é claro – esse “monstro”, “poço” de inquietude – “mais inquieto, sozinho, que toda a criação inteira”. Mas todo alvoroço há de findar um dia, quando Deus julgar por bem retomar o seu cetro sobre a Criação!

 

J.A.R. – H.C.

 

Charles Péguy

(1873-1914)

 

Hymne à la Nuit

 

O nuit, ô ma fille la Nuit, toi qui sais te taire, ô ma fille au beau manteau,

Toi qui verses le repos et l’oubli. Toi qui verses le baume, et le silence,

et l’ombre,

O ma Nuit étoilée je t’ai créée la première.

Toi qui endors, toi qui ensevelis déjà dans une Ombre éternelle

Toutes mes créatures

Les plus inquiètes, le cheval fougueux, la fourmi laborieuse,

Et l’homme ce monstre d’inquiétude.

Nuit qui réussis à endormir l’homme

Ce puits d’inquiétude.

A lui seul plus inquiet que toute la création ensemble.

L’homme, ce puits d’inquiétude.

Comme tu endors l’eau du puits.

 

O ma nuit à la grande robe

Qui prends les enfants et la jeune Espérance

Dans le pli de ta robe

Mais les hommes ne se laissent pas faire.

O ma belle nuit je t’ai créée la première.

Et presque avant la première

Silencieuse aux longs voiles

Toi par qui descend sur terre un avant-goût,

Toi qui répands de tes mains, toi qui verses sur terre

Une première paix

Avant-coureur de la paix éternelle.

Un premier repos

Avant-coureur du repos éternel.

Un premier baume, si frais, une première béatitude

Avant-coureur de la béatitude éternelle.

Nuit tu es sainte, Nuit tu es grande, Nuit tu es belle.

Nuit au grand manteau.

Nuit, je t’aime et je te salue et je te glorifie et tu es ma grande fille

et ma créature.

O belle nuit, nuit au grand manteau, ma fille au manteau étoilé

Tu me rappelles, à moi-même tu me rappelles ce grand silence qu’il y avait

Avant que j’eusse ouvert les écluses d’ingratitude.

Et tu m’annonces, à moi-même tu m’annonces ce grand silence qu’il y aura

Quand je les aurai fermées.

O douce, ô grande, ô sainte, ô belle nuit, peut-être la plus sainte de mes filles,

nuit à la grande robe, à la robe étoilée

Tu me rappelles ce grand silence qu’il y avait dans le monde

Avant le commencement du règne de l’homme.

Tu m’annonces ce grand silence qu’il y aura

Après la fin du règne de l’homme, quand j’aurai repris mon sceptre.

Et j’y pense quelquefois d’avance, car cet homme fait vraiment beaucoup

de bruit.

 

Paisagem ao Luar

(Jules L. Dupré: pintor francês)

 

Hino à Noite

 

Noite, ó Noite, minha filha, tu que sabes guardar silêncio, ó minha filha,

vestida de formoso manto,

Tu que derramas repouso, esquecimento. Tu que derramas quietude,

bálsamo, penumbra,

Ó minha noite estrelada, eu te criei por primeiro.

Tu que adormeces e desde logo amortalhas numa eterna sombra

Minhas criaturas todas.

As mais inquietas, o cavalo fogoso, a formiga diligente,

E o homem, este monstro de inquietude.

Noite que podes adormecer o homem

Este poço de inquietude.

Mais inquieto, sozinho, que toda a criação inteira.

O homem, este poço de inquietude.

Como adormeces a água do poço.

 

Ó minha noite, envolta em longa veste

Que abrigas os pequeninos e a jovem Esperança

No regaço de teu manto

Mas os homens não sabem ceder.

Ó minha bela noite, eu te criei por primeiro

E quase antes de tudo.

Silenciosa em teus longos véus

Tu por quem à terra desce uma primícia,

Tu que espalhas com tuas mãos, tu que derramas sobre a terra

Uma primeira paz

Prenúncio da paz eterna

Um primeiro repouso

Prenúncio do repouso eterno

Um primeiro bálsamo, tão suave, uma primeira beatitude

Prenúncio da beatitude eterna.

Noite, ó Noite, tu és santa, grande e bela.

Noite em grande manto envolta.

Eu te amo, Noite, eu te saúdo e glorifico e és minha primogênita

e minha criatura

Ó bela noite, envolta em grande manto, minha filha vestida de estrelas

Tu me lembras, a mim tu me lembras o grande silêncio que existia

Antes que houvesse aberto as comportas da ingratidão.

E tu me anuncias, a mim mesmo o grande silêncio que haverá

Quando as houver fechado.

Ó doce, ó grande, ó santa, ó bela noite, a mais santa, quem sabe,

de minhas filhas, noite agasalhada em longa veste constelada

Tu me lembras o grande silêncio que havia no mundo

Antes de começar o império do homem.

Tu me anuncias o grande silêncio que haverá

Depois que terminar o império do homem, quando houver retomado meu cetro.

E nisso penso, algumas vezes, antes da hora, pois, na verdade, o homem

faz muito alvoroço.

 

Referência:

 

PÉGUY, Charles. Hymne à la nuit / Hino à noite. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Organização e Tradução). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em francês: p. 294 e 296; em português: p. 295 e 297.

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