É Deus quem fala
enquanto ente lírico enunciador deste poema, representativo do que, conforme
se descreve no Gênesis, teria ocorrido durante o primeiro dia da criação: às
trevas teria denominado “noite”, as quais, por ora, evocam-lhe o “grande
silêncio que havia no mundo”, antes que se iniciasse o império do homem, esse
vivente a par com tanto estrépito, tamanha barulhada.
As parlendas do
Eterno estendem-se ao poder que a noite tem para adormecer as criaturas que
concebera, mesmo as mais inquietas – como o “cavalo fogoso” e a “laboriosa
formiga” –, além do homem, é claro – esse “monstro”, “poço” de inquietude –
“mais inquieto, sozinho, que toda a criação inteira”. Mas todo alvoroço há de
findar um dia, quando Deus julgar por bem retomar o seu cetro sobre a Criação!
J.A.R. – H.C.
Charles Péguy
(1873-1914)
Hymne à la Nuit
O nuit, ô ma fille la
Nuit, toi qui sais te taire, ô ma fille au beau manteau,
Toi qui verses le
repos et l’oubli. Toi qui verses le baume, et le silence,
et l’ombre,
O ma Nuit étoilée je
t’ai créée la première.
Toi qui endors, toi
qui ensevelis déjà dans une Ombre éternelle
Toutes mes créatures
Les plus inquiètes,
le cheval fougueux, la fourmi laborieuse,
Et l’homme ce monstre
d’inquiétude.
Nuit qui réussis à
endormir l’homme
Ce puits
d’inquiétude.
A lui seul plus
inquiet que toute la création ensemble.
L’homme, ce puits
d’inquiétude.
Comme tu endors l’eau
du puits.
O ma nuit à la grande
robe
Qui prends les
enfants et la jeune Espérance
Dans le pli de ta
robe
Mais les hommes ne se
laissent pas faire.
O ma belle nuit je
t’ai créée la première.
Et presque avant la
première
Silencieuse aux longs
voiles
Toi par qui descend
sur terre un avant-goût,
Toi qui répands de
tes mains, toi qui verses sur terre
Une première paix
Avant-coureur de la
paix éternelle.
Un premier repos
Avant-coureur du
repos éternel.
Un premier baume, si
frais, une première béatitude
Avant-coureur de la
béatitude éternelle.
Nuit tu es sainte,
Nuit tu es grande, Nuit tu es belle.
Nuit au grand
manteau.
Nuit, je t’aime et je
te salue et je te glorifie et tu es ma grande fille
et ma créature.
O belle nuit, nuit au
grand manteau, ma fille au manteau étoilé
Tu me rappelles, à
moi-même tu me rappelles ce grand silence qu’il y avait
Avant que j’eusse
ouvert les écluses d’ingratitude.
Et tu m’annonces, à
moi-même tu m’annonces ce grand silence qu’il y aura
Quand je les aurai
fermées.
O douce, ô grande, ô
sainte, ô belle nuit, peut-être la plus sainte de mes filles,
nuit à la grande
robe, à la robe étoilée
Tu me rappelles ce
grand silence qu’il y avait dans le monde
Avant le commencement
du règne de l’homme.
Tu m’annonces ce
grand silence qu’il y aura
Après la fin du règne
de l’homme, quand j’aurai repris mon sceptre.
Et j’y pense
quelquefois d’avance, car cet homme fait vraiment beaucoup
de bruit.
Paisagem ao Luar
(Jules L. Dupré: pintor francês)
Hino à Noite
Noite, ó Noite, minha
filha, tu que sabes guardar silêncio, ó minha filha,
vestida de formoso
manto,
Tu que derramas
repouso, esquecimento. Tu que derramas quietude,
bálsamo, penumbra,
Ó minha noite
estrelada, eu te criei por primeiro.
Tu que adormeces e desde
logo amortalhas numa eterna sombra
Minhas criaturas
todas.
As mais inquietas, o
cavalo fogoso, a formiga diligente,
E o homem, este
monstro de inquietude.
Noite que podes
adormecer o homem
Este poço de
inquietude.
Mais inquieto,
sozinho, que toda a criação inteira.
O homem, este poço de
inquietude.
Como adormeces a água
do poço.
Ó minha noite,
envolta em longa veste
Que abrigas os
pequeninos e a jovem Esperança
No regaço de teu
manto
Mas os homens não
sabem ceder.
Ó minha bela noite,
eu te criei por primeiro
E quase antes de
tudo.
Silenciosa em teus
longos véus
Tu por quem à terra
desce uma primícia,
Tu que espalhas com
tuas mãos, tu que derramas sobre a terra
Uma primeira paz
Prenúncio da paz
eterna
Um primeiro repouso
Prenúncio do repouso
eterno
Um primeiro bálsamo,
tão suave, uma primeira beatitude
Prenúncio da
beatitude eterna.
Noite, ó Noite, tu és
santa, grande e bela.
Noite em grande manto
envolta.
Eu te amo, Noite, eu
te saúdo e glorifico e és minha primogênita
e minha criatura
Ó bela noite, envolta
em grande manto, minha filha vestida de estrelas
Tu me lembras, a mim
tu me lembras o grande silêncio que existia
Antes que houvesse
aberto as comportas da ingratidão.
E tu me anuncias, a
mim mesmo o grande silêncio que haverá
Quando as houver
fechado.
Ó doce, ó grande, ó
santa, ó bela noite, a mais santa, quem sabe,
de minhas filhas,
noite agasalhada em longa veste constelada
Tu me lembras o
grande silêncio que havia no mundo
Antes de começar o
império do homem.
Tu me anuncias o
grande silêncio que haverá
Depois que terminar o
império do homem, quando houver retomado meu cetro.
E nisso penso,
algumas vezes, antes da hora, pois, na verdade, o homem
faz muito alvoroço.
Referência:
PÉGUY, Charles. Hymne
à la nuit / Hino à noite. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio
(Organização e Tradução). Antologia da poesia francesa: do
século IX ao século XX. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em
francês: p. 294 e 296; em português: p. 295 e 297.
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