A poetisa fala-nos
das vozes das fortes mulheres de sua família, desde as que ascendem em direção à
de sua bisavó – ainda criança trasladada compulsoriamente da África ao Brasil –,
passando pela própria voz lírica, até a de sua filha, todas elas negras, sublinhando
a passagem da situação de cativeiro a uma de plena liberdade, de resistência ao
opróbio à outra que abre espaços para um devir com mais dignidade.
Consigne-se que, num
país que teima em concentrar renda, a condição de ser mulher e negra configura-se
como o “pior dos mundos possíveis”, pois quaisquer que sejam as clivagens que
lhe digam respeito, quase que invariavelmente apontam para trilhas nas quais as
cores mais infensas ou adversas afloram como pedras no caminho da ascensão
social.
J.A.R. – H.C.
Conceição Evaristo
(n. 1946)
Vozes-Mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância
perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de
tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho
revolta
no fundo das cozinhas
alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos
brancos
pelo caminho
empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as
nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas
caladas
engasgadas nas
gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o
agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a
ressonância
O eco da
vida-liberdade.
Labuta Diária
(Autoria
Desconhecida)
Referência:
EVARISTO, Conceição.
Vozes-mulheres. In: CARLOS DOS SANTOS, Luiz; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses
(Organização e Apresentação). O negro em versos: antologia da poesia
negra brasileira. 1. ed. São Paulo, SP: Moderna, 2005. p. 74-75. (“Lendo &
Relendo”)
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