Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Conceição Evaristo - Vozes-Mulheres

A poetisa fala-nos das vozes das fortes mulheres de sua família, desde as que ascendem em direção à de sua bisavó – ainda criança trasladada compulsoriamente da África ao Brasil –, passando pela própria voz lírica, até a de sua filha, todas elas negras, sublinhando a passagem da situação de cativeiro a uma de plena liberdade, de resistência ao opróbio à outra que abre espaços para um devir com mais dignidade.

 

Consigne-se que, num país que teima em concentrar renda, a condição de ser mulher e negra configura-se como o “pior dos mundos possíveis”, pois quaisquer que sejam as clivagens que lhe digam respeito, quase que invariavelmente apontam para trilhas nas quais as cores mais infensas ou adversas afloram como pedras no caminho da ascensão social.

 

J.A.R. – H.C.

 

Conceição Evaristo

(n. 1946)

 

Vozes-Mulheres

 

A voz de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

Ecoou lamentos

de uma infância perdida.

 

A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.

 

A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela.

 

A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e

fome.

 

A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas.

 

A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato.

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha

se fará ouvir a ressonância

O eco da vida-liberdade.

 

Labuta Diária

(Autoria Desconhecida)

 

Referência:

 

EVARISTO, Conceição. Vozes-mulheres. In: CARLOS DOS SANTOS, Luiz; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses (Organização e Apresentação). O negro em versos: antologia da poesia negra brasileira. 1. ed. São Paulo, SP: Moderna, 2005. p. 74-75. (“Lendo & Relendo”)

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