Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Nuno Júdice - Génese

A elaboração de um poema em correlação com fatos da natureza, começando e terminando com acasos e, em seu intercurso, a denotar conotações anímicas, como se de vontade própria estivesse possuído: ele é a luz que dá contornos vivos à mecânica do mundo, explicando-lhe os seus múltiplos fenômenos ou manifestações, se lhes equivalendo – ainda que por outros meios.

Segundo Júdice, o poema tem o poder de deslindar como são feitas todas as coisas, menos o modo como ele próprio tem origem e expira, vale dizer, em verdade, mais ou menos como o próprio vate que o redige – e, por extensão, toda a humanidade: sem saber exatamente de suas origens no domínio dos éons, sem poder atinar sobre o que lhe ocorre depois do ocaso.

J.A.R. – H.C.

 

Nuno Júdice

(n. 1949)

 

Génese

 

Todo o poema começa de manhã, com o sol. Mesmo

que o poema não esteja à vista (isto é céu de chuva)

o poema é o que explica tudo, o que dá luz

à terra, ao céu, e com nuvens à mistura – a luz incomoda

quando é excessiva. Depois, o poema sobe

com as névoas que o dia arrasta; mete-se pelas copas das

árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros

que vem não se sabe de onde e vão para onde

não se sabe. O poema conta como tudo é feito:

menos ele próprio, que começa por um acaso cinzento,

como esta manhã, e acaba, também por acaso,

com o sol a querer romper.

 

Em: “A Condescendência do Ser” (1988)

 

Gênesis

(Osnat Tzadok: pintora israelo-canadense) 


Referência:

JÚDICE, Nuno. Génesis. In: __________. Por dentro do fruto a chuva: antologia poética. Seleção, organização e prefácio de Vera Lúcia de Oliveira. São Paulo, SP: Escrituras, 2004. p. 42. (Coleção ‘Ponte Velha’)

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