Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Jorge Enrique Adoum - Elegia a si mesmo

O ente lírico entoa uma elegia a si mesmo, já no outono da vida, quando então a sua estrutura física não se encontra em bom estado, tanto mais em razão da bebida que, com frequência, consome: espera-se por um encarniçado embate de vida ou morte como o da conquista do oeste norte-americano – “a ser finalmente vencido pelos peles-vermelhas”.

 

As menções a James Bond e à marcha para oeste bem refletem os parâmetros já remotos das películas assistidas pelo falante, a “persistência” em continuar vivendo com os órgãos em gradativo colapso, jogado a uma cadeira de rodas, mantidas, de todo modo, a altivez viril e um decoro a denotar “uma dor de cabeça respeitável, urbana, incorruptível”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Enrique Adoum

(1926-2009)

 

Elegía a uno mismo

 

La edad se ha vuelto una enfermedad venérea

y casi casi cobardía: años de años

desperdiciados en durar, mucho tiempo bocabajo

sobre la duda, ya gastados los dientes

por los besos y hablar tanto, en los ojos

un asno de frecuente alcohol. De pronto encuentras

que para el último episodio, el único

de este western salvaje y electrónico

en que van a ganar por fin los pielesrojas,

no basta la feroz dignidad de tus testículos

si no estás con todos tus resortes vivos

y no te basta, como antes o a los otros,

ir recogiendo firmas con tu profecía ni el cobarde

heroísmo de los solitarios en viciosas

sesiones de principios, ni te consuela

decirle al corazón que al fin y al cabo

te protesta: Ve tú, músculo voluntario,

vestido de hojarasca, sería broma lo demás:

dirían que me envía el enemigo. Y te quedas,

anacrónico e hijo de vecino,

carajeando a James Bond en tu sillón de ruedas,

con tu hígado malo y tu aspirina

conyugal inútil, y tu decoro

tiene un dolor de cabeza

respetable, urbano, incorruptible.

 

En: “Curriculum mortis” (1968)

 

Autorretrato

(Edvard Munch: pintor norueguês)

 

Elegia a si mesmo

 

A idade tornou-se uma doença venérea

e, por muito pouco, covardia: anos a fio

desperdiçados em durar, muito tempo emborcado

sobre a dúvida, já os dentes desgastados

pelos beijos e por tanto falar, a se ver nos olhos

o néscio pelo uso frequente do álcool. De repente

descobres que, para o último episódio, o único

desse western selvagem e eletrônico

a ser finalmente vencido pelos peles-vermelhas,

não basta a feroz dignidade dos teus testículos

se não estás com todas as tuas molas vivas; (*)

e não te basta, como antes ou aos outros,

a recolha de assinaturas com tua profecia,

nem o covarde heroísmo dos solitários em viciosas

sessões de princípios; tampouco te consola

o recurso ao coração que, ao fim e ao cabo,

vem-te em protesto – Vai-te, músculo voluntário,

vestido de folhagem; o resto seria uma piada:

diriam que foi o inimigo que me enviou. E ficas,

anacrônico filho da mãe,

a insultar James Bond em tua cadeira de rodas,

com teu fígado enfermo e tua inútil aspirina

conjugal; e teu decoro

tem uma dor de cabeça

respeitável, urbana, incorruptível.

 

Em: “Curriculum mortis” (1968)

 

Nota:

 

(*). “molas vivas”: imagino que o poeta se refira às boas condições, à integridade dos membros do corpo, ou, talvez, a um estado de ânimo inquebrantável.

 

Referência:

 

ADOUM, Jorge Enrique. Elegía a uno mismo. In: __________. Breve antología. Selección y prólogo de Vladimiro Rivas Iturralde. Edición de Fernando Maqueo. México, DF: UNAM; Coordinación de Difusión Cultural; Dirección de Literatura, 2009. p. 25-26. (Material de Lectura; Serie ‘Poesía Moderna’, n. 60)

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