O tom do poema se
mostra algo merencório, como se a voz lírica estivesse numa curva qualquer de
fim de tarde, a relembrar a sua própria história de vida e de personagens que
nela pontilharam, mas que já desembarcaram do comboio da existência terrena:
sente-se certo desconsolo com o entorno humano já um tanto devoluto.
O tempo se passa bem
mais no particípio do que no porvir, e os versos conjugam jornadas de reminiscências
– memórias lacrimejantes para “antigos ventos” –, a muito ultrapassar todo o “resto”
que se delongou “para mais tarde”: na sucessão de dias e noites, aguarda-se um
pousar mais firme sobre a terra, uma espécie de “segunda vinda”, antes da
própria falante do que de um Deus que a conhece, mas que se alheia no empíreo.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Explicação
A Alberto de Serpa
O pensamento é
triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre
mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me
sustente:
guardo o resto para
mais tarde.
Deus não fala comigo –
e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei
as lágrimas que tinha.
A estrela sobe; a
estrela desce ...
– espero a minha
própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha
história
e alguém mata os
personagens.)
Em: “Vaga Música”
(1942)
A praia em Trouville
(Claude Monet: pintor
francês)
Referência:
MEIRELES, Cecília. Explicação. In: __________. Obra poética. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1983. p. 192.
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