Esta passagem da ‘Conclusão’
de ‘Walden’ (1854), de H. D. Thoreau (1817-1862), selecionada por Garrison
Keillor (n. 1942), bem poderia ter sido concebida por algum escritor místico, haja
vista os cotejos encetados pelo autor entre a topografia das águas de um rio e
a forma de vida de que somos dotados, ou mesmo as explanações de suas ideias à
maneira dos transcendentalistas norte-americanos.
O discurso de Thoreau
assume um tom positivo e profético, ainda que admita que suas preleções, aos
ouvidos de João ou Jônatas – gente comum do povo –, não venham a ser totalmente
compreendidas ou assimiladas. De todo modo arremata resolutamente: “Só amanhece
o dia para o qual estamos despertos. O dia não cessa de amanhecer. O sol é
apenas uma estrela da manhã”.
J.A.R. – H.C.
Henry David Thoreau
(1817-1862)
Walden (Excerpt)
The life in us is like the water in the river. It may rise this year
higher than man has ever known it, and flood the parched uplands; even this may
be the eventful year, which will drown out all our muskrats. It was not always
dry land where we dwell. I see far inland the banks which the stream anciently
washed, before science began to record its freshets. Every one has heard the
story which has gone the rounds of New England, of a strong and beautiful bug
which came out of the dry leaf of an old table of apple-tree wood, which had
stood in a farmer’s kitchen for sixty years, first in Connecticut, and afterward
in Massachusetts, – from an egg deposited in the living tree many years earlier
still, as appeared by counting the annual layers beyond it; which was heard
gnawing out for several weeks, hatched perchance by the heat of an urn. Who
does not feel his faith in a resurrection and immortality strengthened by
hearing of this? Who knows what beautiful and winged life, whose egg has been
buried for ages under many concentric layers of woodenness in the dead dry life
of society, deposited at first in the alburnum of the green and living tree,
which has been gradually converted into the semblance of its well-seasoned
tomb, – heard perchance gnawing out now for years by the astonished family of
man, as they sat round the festive board, – may unexpectedly come forth from
amidst society’s most trivial and handselled furniture, to enjoy its perfect
summer life at last!
I do not say that John or Jonathan will realize all this; but such is
the character of that morrow which mere lapse of time can never make to dawn.
The light which puts out our eyes is darkness to us. Only that day dawns to
which we are awake. There is more day to dawn. The sun is but a morning star.
Homem no Bosque
(Chenlu Zhu: artista chinesa)
Walden (Excerto)
A vida em nós é como
a água no rio. Ela pode aumentar este ano a um nível jamais visto e inundar os
planaltos ressecados; pode até ser o ano memorável que afogará todos os nossos
ratos almiscarados. Aqui onde moramos nem sempre foi terra seca. Vejo em áreas
bem interiores as margens outrora banhadas pelos rios, antes que a ciência
começasse a registrar suas enchentes. Todos já ouviram a história, que
percorreu a Nova Inglaterra, do besouro forte e bonito que saiu do nó seco de
uma velha mesa de madeira de macieira, que havia ficado sessenta anos na
cozinha de um agricultor, primeiro em Connecticut e depois em Massachusetts –
saído de um ovo que fora depositado na árvore viva muitos anos antes, conforme
se viu depois contando as camadas anuais do tronco, e que ficou roendo
audivelmente o interior durante várias semanas até conseguir sair, após ter
sido incubado talvez pelo calor de uma chaleira. Quem não sente fortalecida sua
fé na ressurreição e na imortalidade, ao ouvir isso? Quem sabe qual a bela vida
alada, cujo ovo ficou enterrado por muitas eras sob muitas camadas concêntricas
de lígneo embotamento na vida ressequida do convívio social, outrora depositado
no alburno da árvore viva e verdejante, que aos poucos se converteu na imagem
de sua sepultura de madeira totalmente seca – talvez roendo audivelmente o
interior, desta vez durante anos, até conseguir sair, para o espanto da família
sentada ao redor da mesa festiva –, que pode inesperadamente surgir do móvel
mais trivial e comemorado entre o convívio social, para gozar finalmente sua
plena vida estival!
Não digo que João ou
José venham a entender tudo isso; mas este é o caráter daquele amanhã que o
mero decorrer do tempo jamais fará alvorecer. A luz que extingue nossos olhos é
escuridão para nós. Só amanhece o dia para o qual estamos despertos. O dia não
cessa de amanhecer. O sol é apenas uma estrela da manhã.
Referências:
Em Inglês
THOREAU, Henry David.
Walden (excerpt). In: KEILLOR, Garrison (Selector and Introducer). Good
poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 424-425.
Em Português
THOREAU, Henry David.
Walden (excerto). Tradução de Denise Bottmann. In: __________. Walden: conclusão.
Apresentação de Eduardo Bueno. Tradução de Denise Bottmann. 1. ed. reimp. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2015. p. 313-314. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 884.)
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