Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Henry David Thoreau - Walden (Excerto)

Esta passagem da ‘Conclusão’ de ‘Walden’ (1854), de H. D. Thoreau (1817-1862), selecionada por Garrison Keillor (n. 1942), bem poderia ter sido concebida por algum escritor místico, haja vista os cotejos encetados pelo autor entre a topografia das águas de um rio e a forma de vida de que somos dotados, ou mesmo as explanações de suas ideias à maneira dos transcendentalistas norte-americanos.

 

O discurso de Thoreau assume um tom positivo e profético, ainda que admita que suas preleções, aos ouvidos de João ou Jônatas – gente comum do povo –, não venham a ser totalmente compreendidas ou assimiladas. De todo modo arremata resolutamente: “Só amanhece o dia para o qual estamos despertos. O dia não cessa de amanhecer. O sol é apenas uma estrela da manhã”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Henry David Thoreau

(1817-1862)

 

Walden (Excerpt)

 

The life in us is like the water in the river. It may rise this year higher than man has ever known it, and flood the parched uplands; even this may be the eventful year, which will drown out all our muskrats. It was not always dry land where we dwell. I see far inland the banks which the stream anciently washed, before science began to record its freshets. Every one has heard the story which has gone the rounds of New England, of a strong and beautiful bug which came out of the dry leaf of an old table of apple-tree wood, which had stood in a farmer’s kitchen for sixty years, first in Connecticut, and afterward in Massachusetts, – from an egg deposited in the living tree many years earlier still, as appeared by counting the annual layers beyond it; which was heard gnawing out for several weeks, hatched perchance by the heat of an urn. Who does not feel his faith in a resurrection and immortality strengthened by hearing of this? Who knows what beautiful and winged life, whose egg has been buried for ages under many concentric layers of woodenness in the dead dry life of society, deposited at first in the alburnum of the green and living tree, which has been gradually converted into the semblance of its well-seasoned tomb, – heard perchance gnawing out now for years by the astonished family of man, as they sat round the festive board, – may unexpectedly come forth from amidst society’s most trivial and handselled furniture, to enjoy its perfect summer life at last!

I do not say that John or Jonathan will realize all this; but such is the character of that morrow which mere lapse of time can never make to dawn. The light which puts out our eyes is darkness to us. Only that day dawns to which we are awake. There is more day to dawn. The sun is but a morning star.

 

Homem no Bosque

(Chenlu Zhu: artista chinesa)

 

Walden (Excerto)

 

A vida em nós é como a água no rio. Ela pode aumentar este ano a um nível jamais visto e inundar os planaltos ressecados; pode até ser o ano memorável que afogará todos os nossos ratos almiscarados. Aqui onde moramos nem sempre foi terra seca. Vejo em áreas bem interiores as margens outrora banhadas pelos rios, antes que a ciência começasse a registrar suas enchentes. Todos já ouviram a história, que percorreu a Nova Inglaterra, do besouro forte e bonito que saiu do nó seco de uma velha mesa de madeira de macieira, que havia ficado sessenta anos na cozinha de um agricultor, primeiro em Connecticut e depois em Massachusetts – saído de um ovo que fora depositado na árvore viva muitos anos antes, conforme se viu depois contando as camadas anuais do tronco, e que ficou roendo audivelmente o interior durante várias semanas até conseguir sair, após ter sido incubado talvez pelo calor de uma chaleira. Quem não sente fortalecida sua fé na ressurreição e na imortalidade, ao ouvir isso? Quem sabe qual a bela vida alada, cujo ovo ficou enterrado por muitas eras sob muitas camadas concêntricas de lígneo embotamento na vida ressequida do convívio social, outrora depositado no alburno da árvore viva e verdejante, que aos poucos se converteu na imagem de sua sepultura de madeira totalmente seca – talvez roendo audivelmente o interior, desta vez durante anos, até conseguir sair, para o espanto da família sentada ao redor da mesa festiva –, que pode inesperadamente surgir do móvel mais trivial e comemorado entre o convívio social, para gozar finalmente sua plena vida estival!

Não digo que João ou José venham a entender tudo isso; mas este é o caráter daquele amanhã que o mero decorrer do tempo jamais fará alvorecer. A luz que extingue nossos olhos é escuridão para nós. Só amanhece o dia para o qual estamos despertos. O dia não cessa de amanhecer. O sol é apenas uma estrela da manhã.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

THOREAU, Henry David. Walden (excerpt). In: KEILLOR, Garrison (Selector and Introducer). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 424-425.

 

Em Português

 

THOREAU, Henry David. Walden (excerto). Tradução de Denise Bottmann. In: __________. Walden: conclusão. Apresentação de Eduardo Bueno. Tradução de Denise Bottmann. 1. ed. reimp. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. p. 313-314. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 884.)

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