Com um fecho que
parece redarguir às palavras de Cristo em Mt 8:20 – “As raposas têm covis, e as
aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” –,
a mensagem última deste poema expressa certo anelo otimista ou um propósito de
expectativas positivas para o nosso mundo tão conturbado.
A rigor, algumas expressões
empregadas por Levine, como “dia férreo”, não são exatamente unívocas em seu
sentido – terá ele querido insinuar “duro”, ou seria “austero”, ou ainda “acinzentado”,
“frio”, “magnetizante”, “imantador”?! Seja como for, a meu ver, as imagens a
que o poeta recorre denotam certa circunvolução dilucidatória para os sinais
que, de início, não são exatamente auspiciosos diante do açodamento que é a
vida humana – afinal, para muitos, o regime de trabalho torna-se uma roda “hipnotizante”
da qual dificilmente se consegue escapar ou, pelo menos, desprender-se por
momentos –, mas que, ao final, evocam as mil possibilidades com que ocupar-se o
ser humano, das mais tradicionais às mais recentes, tanto aqui quanto alhures.
Afinal, por qual motivo o caracol resolveu “zarpar” para a China?!...
Aprecio o trabalho de
Philip Levine, mas selecionei um poema que não lhe é típico. E parece-me que
nele reconheço o seu jardim em Fresno, Califórnia, onde foi professor
universitário por muitos anos. (MILOSZ, 1998, p. 26)
J.A.R. – H.C.
Philip Levine
(1928-2015)
A Sleepless Night
April, and the last
of the plum blossoms
scatters on the black
grass
before dawn. The
sycamore, the lime,
the struck pine
inhale
the first pale hints
of sky.
An iron day,
I think, yet it will
come
dazzling, the light
rise from the belly
of leaves and pour
burning from the cups
of poppies.
The mockingbird
squawks
from his perch,
fidgets,
and settles back. The
snail, awake
for good, trembles
from his shell
and sets sail for
China. My hand dances
in the memory of a
million vanished stars.
A man has every place
to lay his head.
O Sonho
(Douanier Rousseau:
pintor francês)
Uma Noite de Insônia
Abril, e as últimas
flores da ameixeira
dispersam-se sobre a
grama escura
antes do amanhecer. O
sicômoro, a limeira,
o castigado pinheiro aspiram
os primeiros e
pálidos prenúncios do céu.
Um dia férreo,
creio eu, mas que
ainda assim virá
deslumbrante, a luz,
surgindo do ventre
das folhas, jorrará
ardente desde as
copas
das papoulas.
O tordo grasna
em seu poleiro,
inquieta-se
e volta a
acomodar-se. O caracol, desperto
de vez, agita-se por
fora de sua concha
e zarpa para a China.
Minha mão baila
em memória a um
milhão de estrelas
desaparecidas.
Um homem tem todos os
lugares para
reclinar sua cabeça.
Referência:
LEVINE, Philip. A
sleepless night. In: MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A
book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New
York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 26.
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