Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Philip Levine - Uma Noite de Insônia

Com um fecho que parece redarguir às palavras de Cristo em Mt 8:20 – “As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” –, a mensagem última deste poema expressa certo anelo otimista ou um propósito de expectativas positivas para o nosso mundo tão conturbado.

 

A rigor, algumas expressões empregadas por Levine, como “dia férreo”, não são exatamente unívocas em seu sentido – terá ele querido insinuar “duro”, ou seria “austero”, ou ainda “acinzentado”, “frio”, “magnetizante”, “imantador”?! Seja como for, a meu ver, as imagens a que o poeta recorre denotam certa circunvolução dilucidatória para os sinais que, de início, não são exatamente auspiciosos diante do açodamento que é a vida humana – afinal, para muitos, o regime de trabalho torna-se uma roda “hipnotizante” da qual dificilmente se consegue escapar ou, pelo menos, desprender-se por momentos –, mas que, ao final, evocam as mil possibilidades com que ocupar-se o ser humano, das mais tradicionais às mais recentes, tanto aqui quanto alhures. Afinal, por qual motivo o caracol resolveu “zarpar” para a China?!...

 

Aprecio o trabalho de Philip Levine, mas selecionei um poema que não lhe é típico. E parece-me que nele reconheço o seu jardim em Fresno, Califórnia, onde foi professor universitário por muitos anos. (MILOSZ, 1998, p. 26)

 

J.A.R. – H.C.

 

Philip Levine

(1928-2015)

 

A Sleepless Night

 

April, and the last of the plum blossoms

scatters on the black grass

before dawn. The sycamore, the lime,

the struck pine inhale

the first pale hints of sky.

An iron day,

I think, yet it will come

dazzling, the light

rise from the belly of leaves and pour

burning from the cups

of poppies.

The mockingbird squawks

from his perch, fidgets,

and settles back. The snail, awake

for good, trembles from his shell

and sets sail for China. My hand dances

in the memory of a million vanished stars.

 

A man has every place to lay his head.

 

O Sonho

(Douanier Rousseau: pintor francês)

 

Uma Noite de Insônia

 

Abril, e as últimas flores da ameixeira

dispersam-se sobre a grama escura

antes do amanhecer. O sicômoro, a limeira,

o castigado pinheiro aspiram

os primeiros e pálidos prenúncios do céu.

Um dia férreo,

creio eu, mas que ainda assim virá

deslumbrante, a luz,

surgindo do ventre das folhas, jorrará

ardente desde as copas

das papoulas.

O tordo grasna

em seu poleiro, inquieta-se

e volta a acomodar-se. O caracol, desperto

de vez, agita-se por fora de sua concha

e zarpa para a China. Minha mão baila

em memória a um milhão de estrelas

desaparecidas.

 

Um homem tem todos os lugares para

reclinar sua cabeça.

 

Referência:

 

LEVINE, Philip. A sleepless night. In: MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 26.

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