O tema da escrita é o
objeto desta seção primeira do poema de Bento, quase como se fosse uma
partitura musical sobre pentagramas a revelar o ser da poesia, menos uma
mentira do que uma verdade velada, mais afeita a quem a peneja – muito embora,
em seus símbolos, converta-se em variegados sentidos para além do polissêmico mar
da publicidade.
Em associação ao
poema, recordei-me dos ensaios do peruano Vargas Llosa, em “La verdad de las
mentiras” (“A verdade das mentiras”), de 1990, título que bem externa os
intentos do escritor em discorrer sobre o lado mais verídico, digo melhor,
verossímil das obras literárias ficcionais, especialmente as romanescas,
mentiras fantasiosas de um espírito criativo, mas realidade irrefutável plena
de lógica e de significado para quem nelas vê “a própria face”.
J.A.R. – H.C.
João Bento
(1932-2019)
Temas com variações
I
Letras, sílabas,
papel,
a arquitetura
da mão que flui
domando-se à palavra
e da pedra que é a fronte
debruçada
procurando a grafia
do que ainda
desponta sem
veemência que se agarre.
Tarefa impura,
ambígua: ninguém ouse
ler que este cálamo
sangra na mentira.
Violenta lei o
incita,
que consagra por ser
uma verdade
somente sua, para
outros velada;
propõe símbolos mas
não revelará
o corpo que
reflectem, ou se negam
o que excede sua música
volátil.
Uma boca modula:
a voz de alguém
ou um eco truncado
que mascara
não um rosto mas os
ritos de uma era?
Não o que sentes é o
único sentido
do que escreves.
Abandonas,
esqueces este
espelho.
Tua imagem?
– Quem o empunhe vem
dar-lhe a própria face.
Caderno Extraviado
(Rosimary Burn:
artista inglesa)
Referência:
BENTO, José. Temas
com variações: I - Letras, sílabas. In: __________. Algunas sílabas:
antologia. Edición bilingüe: portugués x español. Traducción de José Luis
Puerto. Madrid, ES: Calambur (en coedición con la Editora Regional de
Extremadura), 2000. p. 25-26. (Colección ‘Los Solitarios y sus Amigos’; n. 6)
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