A voz poética,
retratada como “pedras”, metaforiza o próprio povo hebreu a vagar e a
sobreviver heroicamente em meio às turbulências da História, como num compêndio
do mais incontrastável “sentimento trágico da vida”, oponível à morte infame
que logo ali está, ardendo feito um círio antediluviano para as gerações
futuras.
As referências
bíblicas nos versos de Sachs são expressas – Adão, Eva e a serpente no Jardim
do Éden, as escadas de Jacó e o Muro das Lamentações (neste último caso, bem em
conexão com as pedras do título do poema) –, todas elas recordações que servem
como autênticas lápides memoriais para todos os expostos a um existir agônico.
J.A.R. – H.C.
Nelly Sachs
(1891-1970)
Char der Steine
Wir Steine
Wenn einer uns hebt
Hebt er Urzeiten
empor –
Venn einer uns hebt
Hebt er den Garten
Eden empor –
Wenn einer uns hebt
Hebt er Adam und Evas
Erkenntnis empor
Und der Schlange staubessende
Verführung.
Wenn einer uns hebt
Hebt er Billionen
Erinnerungen in seiner Hand
Die sich nicht auflösen
im Blute
Wie der Abend.
Denn Gedenksteine
sind wir
Alles Sterben
umfassend.
Ein Ranzen voll
gelebten Lebens sind wir.
Wer uns hebt, hebt
die hartgewordenen Gräber der Erde.
Ihr Jakobshäupter,
Die Wurzeln der Träume
halten wir versteckt für euch,
Lassen die luftigen
Engelsleitern
Wie Ranken eines
Windenbeetes spriessen.
Wenn einer uns anrührt
Rührt er eine
Klagemauer an.
Wie der Diamant
zerschneidet eure Klage unsere Härte
Bis sie zerfällt und
weiches Herz wird –
Während ihr
versteint.
Wenn einer uns anrührt
Rührt er die
Wegscheiden der Mitternacht an
Klingend von Geburt
und Tod.
Wenn einer uns wirft
–
Wirft er den Garten
Eden –
Den Wein der Sterne –
Die Augen der
Liebenden und allen Verrat –
Wenn einer uns wirft
im Zorne
So wirft er Äonen
gebrochener Herzen
Und seidener
Schmetterlinge.
Hütet euch, hütet
euch
Zu werfen im Zorne
mit einem Stein –
Unser Gemisch ist ein
vom Odem Durchblasenes.
Es erstarrte im
Geheimnis
Aber kann erwachen an
einem Kuss.
In: “In den Wohnungen
des Todes” (1947)
Um monte de pedras
(Françoise Gilot:
pintora francesa)
Coro das Pedras
Nós pedras
Quando alguém nos
ergue
Ergue tempos primevos
–
Quando alguém nos
ergue
Ergue o Jardim do
Éden –
Quando alguém nos
ergue
Ergue o
reconhecimento de Adão e Eva
E a sedução, que come
pó, da Serpente.
Quando alguém nos
ergue
Ergue biliões de
lembranças na mão
Que não se dissolvem
no sangue
Como o anoitecer.
Pois nós somos
monumentos mortuários
Que abrangem todo o
morrer.
Um surrão cheio de
vida vivida somos nós.
Quem nos ergue, ergue
as campas endurecidas da Terra.
Ó cabeças de Jacob,
As raízes dos sonhos
mantemo-las nós escondidas pra vós,
Deixamos as aéreas
escadas dos anjos
Brotar como braços
dum canteiro de trepadeiras.
Quando alguém nos
toca
Toca um muro de
lamentações.
Como o diamante o
vosso lamento corta a nossa dureza
Até que ela cai e se
faz coração brando –
Enquanto vós empedernis.
Quando alguém nos
toca
Toca as encruzilhadas
da meia-noite
Ressoantes de
nascimento e morte.
Quando alguém nos
atira –
Atira o Jardim do
Éden –
O vinho das estrelas –
Os olhos dos amantes
e toda a traição –
Quando alguém nos
atira com ira
Atira leões de
corações partidos
E de borboletas de
seda.
Cuidado, cuidado
Não atireis com uma
pedra em ira –
A nossa mistura está
repassada do espírito.
Endureceu no mistério
Mas pode acordar com
um beijo.
Em: “Nas Moradas da
Morte” (1947)
Referências:
Em Alemão
SACHS, Nelly. Char
der steine. In: SACHS, Nelly. O the chimneys: selected poems including the
verse play ‘Eli’. First English Publication. Translated from the German by Michael
Hamburger, Christopher Holme, Ruth and Matthew Mead, Michael Roloff. New York,
NY: Farrar, Straus and Giroux, 1967. p. 34 and 36.
Em Português
SACHS, Nelly. Coro
das pedras. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poesias.
Tradução de Paulo Quintela. Estudo introdutivo de Joseph Bernfeld. Rio de
Janeiro, GB: Opera Mundi, 1975. p. 68-69. (“Biblioteca dos Prêmios Nobel de
Literatura”)
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