Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Nelly Sachs - Coro das Pedras

A voz poética, retratada como “pedras”, metaforiza o próprio povo hebreu a vagar e a sobreviver heroicamente em meio às turbulências da História, como num compêndio do mais incontrastável “sentimento trágico da vida”, oponível à morte infame que logo ali está, ardendo feito um círio antediluviano para as gerações futuras.

 

As referências bíblicas nos versos de Sachs são expressas – Adão, Eva e a serpente no Jardim do Éden, as escadas de Jacó e o Muro das Lamentações (neste último caso, bem em conexão com as pedras do título do poema) –, todas elas recordações que servem como autênticas lápides memoriais para todos os expostos a um existir agônico.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nelly Sachs

(1891-1970)

 

Char der Steine

 

Wir Steine

Wenn einer uns hebt

Hebt er Urzeiten empor –

Venn einer uns hebt

Hebt er den Garten Eden empor –

Wenn einer uns hebt

Hebt er Adam und Evas Erkenntnis empor

Und der Schlange staubessende Verführung.

 

Wenn einer uns hebt

Hebt er Billionen Erinnerungen in seiner Hand

Die sich nicht auflösen im Blute

Wie der Abend.

Denn Gedenksteine sind wir

Alles Sterben umfassend.

 

Ein Ranzen voll gelebten Lebens sind wir.

Wer uns hebt, hebt die hartgewordenen Gräber der Erde.

Ihr Jakobshäupter,

Die Wurzeln der Träume halten wir versteckt für euch,

Lassen die luftigen Engelsleitern

Wie Ranken eines Windenbeetes spriessen.

 

Wenn einer uns anrührt

Rührt er eine Klagemauer an.

Wie der Diamant zerschneidet eure Klage unsere Härte

Bis sie zerfällt und weiches Herz wird –

Während ihr versteint.

Wenn einer uns anrührt

Rührt er die Wegscheiden der Mitternacht an

Klingend von Geburt und Tod.

 

Wenn einer uns wirft –

Wirft er den Garten Eden –

Den Wein der Sterne –

Die Augen der Liebenden und allen Verrat –

 

Wenn einer uns wirft im Zorne

So wirft er Äonen gebrochener Herzen

Und seidener Schmetterlinge.

 

Hütet euch, hütet euch

Zu werfen im Zorne mit einem Stein –

Unser Gemisch ist ein vom Odem Durchblasenes.

Es erstarrte im Geheimnis

Aber kann erwachen an einem Kuss.

 

In: “In den Wohnungen des Todes” (1947)

 

Um monte de pedras

(Françoise Gilot: pintora francesa)

 

Coro das Pedras

 

Nós pedras

Quando alguém nos ergue

Ergue tempos primevos –

Quando alguém nos ergue

Ergue o Jardim do Éden –

Quando alguém nos ergue

Ergue o reconhecimento de Adão e Eva

E a sedução, que come pó, da Serpente.

 

Quando alguém nos ergue

Ergue biliões de lembranças na mão

Que não se dissolvem no sangue

Como o anoitecer.

Pois nós somos monumentos mortuários

Que abrangem todo o morrer.

 

Um surrão cheio de vida vivida somos nós.

Quem nos ergue, ergue as campas endurecidas da Terra.

Ó cabeças de Jacob,

As raízes dos sonhos mantemo-las nós escondidas pra vós,

Deixamos as aéreas escadas dos anjos

Brotar como braços dum canteiro de trepadeiras.

 

Quando alguém nos toca

Toca um muro de lamentações.

Como o diamante o vosso lamento corta a nossa dureza

Até que ela cai e se faz coração brando –

Enquanto vós empedernis.

Quando alguém nos toca

Toca as encruzilhadas da meia-noite

Ressoantes de nascimento e morte.

 

Quando alguém nos atira –

Atira o Jardim do Éden –

O vinho das estrelas –

Os olhos dos amantes e toda a traição –

 

Quando alguém nos atira com ira

Atira leões de corações partidos

E de borboletas de seda.

 

Cuidado, cuidado

Não atireis com uma pedra em ira –

A nossa mistura está repassada do espírito.

Endureceu no mistério

Mas pode acordar com um beijo.

 

Em: “Nas Moradas da Morte” (1947)

 

Referências:

 

Em Alemão

 

SACHS, Nelly. Char der steine. In: SACHS, Nelly. O the chimneys: selected poems including the verse play ‘Eli’. First English Publication. Translated from the German by Michael Hamburger, Christopher Holme, Ruth and Matthew Mead, Michael Roloff. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 1967. p. 34 and 36.

 

Em Português

 

SACHS, Nelly. Coro das pedras. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Estudo introdutivo de Joseph Bernfeld. Rio de Janeiro, GB: Opera Mundi, 1975. p. 68-69. (“Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura”)

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