O poema de Galvão
condensa aquela comum angústia que se sente ao final do dia de domingo, quando
ainda a bebida tragada produz os seus efeitos e se pode ouvir os televisores
dos apartamentos vizinhos ligados na programação de canais abertos, todo mundo
ciente de que, logo mais, sobrevirá o “peso” de uma segunda-feira de trabalho.
A temática é imediata,
não a forma empregada nos versos, impregnada de seus efeitos líricos, para
deslocar a quotidianidade maçante, senão opressiva, até um ponto de prazer mediante
o texto.
Consigne-se que, no
plano real, há quem espere pelo dia seguinte, para sair de um tédio fastidioso
ou para regressar a uma vida de labuta compulsiva, ou seja, de ‘workaholic’! Há
ainda aqueles, não poucos, que têm no trabalho uma fonte relevante de
satisfação, voltados que estão a suprir necessidades, tangíveis ou intangíveis,
de clientes, consumidores, pessoas em situação de carência ou que tais.
J.A.R. – H.C.
Donizete Galvão
(1955-2014)
A preparação do
próximo dia
O próximo dia,
ainda que não esteja
pronto,
já lateja nas
têmporas
depois do vinho de domingo.
Sua saturação de
ruídos
antecipa-se naquelas
vozes
que vazam das tvs dos
vizinhos.
Mesmo que seu nódulo
de sólida amargura
ainda não esteja
concluído,
o ganir dos cães na
noite
anuncia suas
dilatações.
Prova que, embora
indesejada,
a segunda-feira virá
nos cegar como havia
prometido.
Fogueira
(Sidney Laurence:
pintor norte-americano)
Referência:
GALVÃO, Donizete. A
preparação do próximo dia. In: __________. O homem inacabado. São Paulo,
SP: Portal Editora, 2010. p. 58. (‘Portal Literatura’)
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