As referências ao
taoísmo neste poema de Francis iniciam-se desde o seu título – afinal, a natureza
é um parâmetro ostensivo nos 81 aforismos contidos na mais insigne obra dessa
filosofia oriental, a saber, o “Tao-Te King”, de Lao-Tzu (369-286 a.C.) –, de
modo a revelar ao leitor o quanto o poeta converteu-se num observador tenaz de
seus ensinamentos.
Presumem-se atenuados,
na vida do falante, o frenesi da vida quotidiana e as exigências de ordem
material – num refreio ao consumismo tão em voga: como ave empoleirada a
desfrutar o sol e os frutos que a natureza lhe dá, mesmo sob tempo inóspito,
entra ele em comunhão com o meio-ambiente, tornando-se uma espécie de defensor da causa
ecológica (quer tenha sido esse ou não o objetivo de início avistado).
E se a natureza nos
pede que a tratemos com humor? Se o Ursinho Pooh, o Leitão e o Coelho, seus
amigos e conhecidos, se toda essa humanização for exatamente o que a natureza
espera de nós? Em outras palavras, acaso somos incapazes de dizer – dizer a ela
– qualquer coisa, exceto atribuir-lhe tristeza, sorrisos, ominosidade,
serenidade? Sendo justo ou não, o fato é que gostamos de algumas espécies e não
de outras. E Robert Francis gosta tanto das aves com asas de cera que decidiu converter-se
numa delas para alcançar a sabedoria. (MILOSZ, 1998, p. 25)
J.A.R. – H.C.
Robert Francis
(1901-1987)
Waxwings
Four Tao philosophers
as cedar waxwings
chat on a February
berry bush
in sun, and I am one.
Such merriment and
such sobriety –
the small wild fruit
on the tall stalk –
was this not always
my true style?
Above an elegance of
snow, beneath
a silk-blue sky a
brotherhood of four
birds. Can you
mistake us?
To sun, to feast, and
to converse
and all together – for
this I have abandoned
all my other lives.
Imortais do Taoísmo
(Kano Sansetsu:
pintor japonês)
Asas de cera (*)
Quatro filósofos do Tao,
como picoteiros americanos,
conversam ao sol sobre
um arbusto de bagas
invernais – e eu sou
um deles.
Quanta alegria e quanta
sobriedade –
os pequenos frutos
silvestres numa elevada haste –
não foi sempre esse o
meu verdadeiro estilo?
Sobre uma elegância
de neve, sob
um céu azul como
seda, uma irmandade de quatro
pássaros. Serias capaz
de confundir-nos?
Pelo sol, pelo repasto
e pela conversa,
tudo isso junto – foi
que abandonei
todas as minhas
outras vidas.
Nota:
(*). Asas de cera de
cedro: picoteiros americanos (bombycilla cedrorum), pássaros de frequente
incidência nos EUA.
Referência:
FRANCIS, Robert.
Waxwings. In: MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of
luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York,
NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 25.
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