Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Robert Francis - Asas de cera

As referências ao taoísmo neste poema de Francis iniciam-se desde o seu título – afinal, a natureza é um parâmetro ostensivo nos 81 aforismos contidos na mais insigne obra dessa filosofia oriental, a saber, o “Tao-Te King”, de Lao-Tzu (369-286 a.C.) –, de modo a revelar ao leitor o quanto o poeta converteu-se num observador tenaz de seus ensinamentos.

 

Presumem-se atenuados, na vida do falante, o frenesi da vida quotidiana e as exigências de ordem material – num refreio ao consumismo tão em voga: como ave empoleirada a desfrutar o sol e os frutos que a natureza lhe dá, mesmo sob tempo inóspito, entra ele em comunhão com o meio-ambiente, tornando-se uma espécie de defensor da causa ecológica (quer tenha sido esse ou não o objetivo de início avistado).

 

E se a natureza nos pede que a tratemos com humor? Se o Ursinho Pooh, o Leitão e o Coelho, seus amigos e conhecidos, se toda essa humanização for exatamente o que a natureza espera de nós? Em outras palavras, acaso somos incapazes de dizer – dizer a ela – qualquer coisa, exceto atribuir-lhe tristeza, sorrisos, ominosidade, serenidade? Sendo justo ou não, o fato é que gostamos de algumas espécies e não de outras. E Robert Francis gosta tanto das aves com asas de cera que decidiu converter-se numa delas para alcançar a sabedoria. (MILOSZ, 1998, p. 25)

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Francis

(1901-1987)

 

Waxwings

 

Four Tao philosophers as cedar waxwings

chat on a February berry bush

in sun, and I am one.

 

Such merriment and such sobriety –

the small wild fruit on the tall stalk –

was this not always my true style?

 

Above an elegance of snow, beneath

a silk-blue sky a brotherhood of four

birds. Can you mistake us?

 

To sun, to feast, and to converse

and all together – for this I have abandoned

all my other lives.

 

Imortais do Taoísmo

(Kano Sansetsu: pintor japonês)

 

Asas de cera (*)

 

Quatro filósofos do Tao, como picoteiros americanos,

conversam ao sol sobre um arbusto de bagas

invernais – e eu sou um deles.

 

Quanta alegria e quanta sobriedade –

os pequenos frutos silvestres numa elevada haste –

não foi sempre esse o meu verdadeiro estilo?

 

Sobre uma elegância de neve, sob

um céu azul como seda, uma irmandade de quatro

pássaros. Serias capaz de confundir-nos?

 

Pelo sol, pelo repasto e pela conversa,

tudo isso junto – foi que abandonei

todas as minhas outras vidas.

 

Nota:

 

(*). Asas de cera de cedro: picoteiros americanos (bombycilla cedrorum), pássaros de frequente incidência nos EUA.

 

Referência:

 

FRANCIS, Robert. Waxwings. In: MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 25.

Nenhum comentário:

Postar um comentário