Com versos bastante sugestivos,
recheados de palavras, no original, a reforçar o sentido de adejo e de
replicação, Ponge enfatiza a paridade que se pode observar na forma simétrica
das asas de uma borboleta, ela que, de início, uma lagarta não tão airosa ou atraente,
de súbito, transmuta-se numa das mais belas e delicadas criações da natureza –
sem que isso implique, digamos assim, alguns “efeitos colaterais”.
Não seria desarrazoada
a associação da transformação metamórfica em questão à própria experiência
humana, enquanto metáfora para a mudança que empreendemos com esforço sobre
nossa natureza mais recôndita: veja-se que há contratempos, ou melhor, inaptidões
que resultam do processo de mutação – voo errático e pouso ao acaso –, fazendo
com que a “flama” da borboleta não seja “contagiosa”.
Segue ela de flor em
flor, sôfrega, para vivenciar intensos momentos, já com algum atraso, numa estação
de efemeridades – como se quisesse se recompensar de todo o longo estágio em
que viveu como lagarta, num casulo ao pé de algum ramalho.
J.A.R. – H.C.
Francis Ponge
(1899-1988)
Le Papillon
Lorsque le sucre
élaboré dans les tiges surgit au fond des fleurs, comme des tasses mal lavées, –
un grand effort se produit par terre tous les Papillons tout à coup prennent
leur vol.
Mais comme chaque
chenille eut la tête aveuglée et laissée noire, et le torse amaigri par la
véritable explosion d’où les ailes symétriques flambèrent,
Dès lors le papillon
erratique ne se pose plus qu’au hasard de sa course, ou tout comme.
Allumette volante, sa
flamme n’est pas contagieuse. Et d’ailleurs, il arrive trop tard et ne peut que
constater les fleurs écloses. N’importe: se conduisant en lampiste, il vérifie
la provision d’huile de chacune. Il pose au sommet des fleurs la guenille
atrophiée qu’il emporte et venge ainsi sa longue humiliation amorphe de
chenille au pied des tiges.
Minuscule voilier des
airs maltraité par le vent en pétale superfétatoire, il vagabonde au jardin.
Paisagem com
Borboletas
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
A Borboleta
Quando o açúcar
elaborado nos talos surge no fundo das flores, como em xícaras mal lavadas – um
grande esforço se produz em terra donde as borboletas imediatamente levantam voo.
Mas como cada lagarta
teve a cabeça vendada e enegrecida, e o torso definhado pela verdadeira
explosão de onde as asas simetricamente flamejam,
Desde então a
borboleta errática não pousa mais a não ser ao acaso de seu voo, ou quase isso.
Mecha volante, sua
chama não é contagiosa. E aliás, ela chega demasiado tarde e apenas pode constatar
as flores abertas. Não importa: comportando-se com um acendedor de lâmpadas, verifica
a provisão de óleo de cada uma. Ela pousa no alto das flores com os trapos
desajeitados que carrega e se vinga assim da longa humilhação amorfa de lagarta
ao pé dos talos.
Minúsculo veleiro dos
ares maltratado pelo vento como pétala supérflua, ela vagabundeia pelo jardim.
Referência:
Em Francês
PONGE, Francis. Le
papillon. In: METZIDAKIS, Stamos (Editor and co-author). Understing french
poetry: essays for a new millennium [‘Visual signals in poetry’, by Stamos
Metzidakis]. 2. ed. Birmingham, AL: Summa Publications, 2001. p. 81-82.
Em Português
PONGE, Francis. A
borboleta. Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Org.). O
prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro, RJ: Edições de
Janeiro, 2014. p. 112.
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