Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Francis Ponge - A Borboleta

Com versos bastante sugestivos, recheados de palavras, no original, a reforçar o sentido de adejo e de replicação, Ponge enfatiza a paridade que se pode observar na forma simétrica das asas de uma borboleta, ela que, de início, uma lagarta não tão airosa ou atraente, de súbito, transmuta-se numa das mais belas e delicadas criações da natureza – sem que isso implique, digamos assim, alguns “efeitos colaterais”.

 

Não seria desarrazoada a associação da transformação metamórfica em questão à própria experiência humana, enquanto metáfora para a mudança que empreendemos com esforço sobre nossa natureza mais recôndita: veja-se que há contratempos, ou melhor, inaptidões que resultam do processo de mutação – voo errático e pouso ao acaso –, fazendo com que a “flama” da borboleta não seja “contagiosa”.

 

Segue ela de flor em flor, sôfrega, para vivenciar intensos momentos, já com algum atraso, numa estação de efemeridades – como se quisesse se recompensar de todo o longo estágio em que viveu como lagarta, num casulo ao pé de algum ramalho.

 

J.A.R. – H.C.

 

Francis Ponge

(1899-1988)

 

Le Papillon

 

Lorsque le sucre élaboré dans les tiges surgit au fond des fleurs, comme des tasses mal lavées, – un grand effort se produit par terre tous les Papillons tout à coup prennent leur vol.

Mais comme chaque chenille eut la tête aveuglée et laissée noire, et le torse amaigri par la véritable explosion d’où les ailes symétriques flambèrent,

Dès lors le papillon erratique ne se pose plus qu’au hasard de sa course, ou tout comme.

Allumette volante, sa flamme n’est pas contagieuse. Et d’ailleurs, il arrive trop tard et ne peut que constater les fleurs écloses. N’importe: se conduisant en lampiste, il vérifie la provision d’huile de chacune. Il pose au sommet des fleurs la guenille atrophiée qu’il emporte et venge ainsi sa longue humiliation amorphe de chenille au pied des tiges.

Minuscule voilier des airs maltraité par le vent en pétale superfétatoire, il vagabonde au jardin.

 

Paisagem com Borboletas

(Salvador Dalí: pintor espanhol)

 

A Borboleta

 

Quando o açúcar elaborado nos talos surge no fundo das flores, como em xícaras mal lavadas – um grande esforço se produz em terra donde as borboletas imediatamente levantam voo.

Mas como cada lagarta teve a cabeça vendada e enegrecida, e o torso definhado pela verdadeira explosão de onde as asas simetricamente flamejam,

Desde então a borboleta errática não pousa mais a não ser ao acaso de seu voo, ou quase isso.

Mecha volante, sua chama não é contagiosa. E aliás, ela chega demasiado tarde e apenas pode constatar as flores abertas. Não importa: comportando-se com um acendedor de lâmpadas, verifica a provisão de óleo de cada uma. Ela pousa no alto das flores com os trapos desajeitados que carrega e se vinga assim da longa humilhação amorfa de lagarta ao pé dos talos.

Minúsculo veleiro dos ares maltratado pelo vento como pétala supérflua, ela vagabundeia pelo jardim.

 

Referência:

 

Em Francês

 

PONGE, Francis. Le papillon. In: METZIDAKIS, Stamos (Editor and co-author). Understing french poetry: essays for a new millennium [‘Visual signals in poetry’, by Stamos Metzidakis]. 2. ed. Birmingham, AL: Summa Publications, 2001. p. 81-82.

 

Em Português

 

PONGE, Francis. A borboleta. Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Org.). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro, RJ: Edições de Janeiro, 2014. p. 112.

Nenhum comentário:

Postar um comentário