Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Gottfried Benn - Mau

A par da gradação às avessas que o poeta empreende do “ruim” ao “muito ruim” e, daí, ao superlativo “pior”, nota-se no poema certo tom sequioso, até nostálgico, em relação aos regalos que acaba por inventariar à realidade – um romance policial inglês, uma cerveja gelada, a poesia, o mar, uma xícara de café e, por fim, um tranquilo fenecer.

 

Há na terceira estrofe um tributo indireto a outro grande poeta e filósofo alemão – Friedrich Hölderlin (1770-1843) – e uma paralela percussão aos professores da área, de quem capturara os seus artifícios lucubratórios: reconhecer o que não é conforme ao que é melhor também nos permite aquilatar os prazeres simples que dão suporte ao colorido do quotidiano, arrancando-nos ao tédio molesto.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gottfried Benn

(1886-1956)

 

Was schlimm ist

 

Wenn man kein Englisch kann,

von einem guten englischen

Kriminalroman zu hören,

der nicht ins Deutsche übersetzt ist.

 

Bei Hitze ein Bier sehn,

das man nicht bezahlen kann.

 

Einen neuen Gedanken haben,

den man nicht in einen Hölderlinvers

einwickeln kann,

wie es die Professoren tun.

 

Nachts auf Reisen Wellen schlagen hören

und sich sagen, daß sie das immer tun.

 

Sehr schlimm: eingeladen sein,

wenn zu Hause die Räume stiller,

der Café besser

und keine Unterhaltung nötig ist.

 

Am schlimmsten:

nicht im Sommer sterben,

wenn alles hell ist

und die Erde für Spaten leicht.

 

Monge à beira-mar

(Caspar David Friedrich: pintor alemão)

 

Mau

 

Quando não se sabe inglês algum,

ouvir falar de um bom romance policial inglês

que não está traduzido em alemão.

 

No calor, ver uma cerveja

que não se pode pagar.

 

Ter uma ideia nova

que não se pode embrulhar num verso

de Hölderlin

como os professores fazem.

 

Viajando à noite, ouvir as ondas baterem

e dizer consigo que elas sempre fazem isso.

 

Muito mau: ser convidado,

quando em casa os espaços são mais tranquilos,

o café melhor

e nenhuma conversa é necessária.

 

O pior de tudo:

morrer sem que seja verão,

quando tudo está claro

e a terra leve para a pá.

 

Referência:

 

BENN, Gottfried. Mau. Tradução de Mario Luiz Frungillo. In: PAES, José Paulo (Organização, Nota Liminar e Posfácio). Transverso: coletânea de poemas traduzidos. Edição bilíngue. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1988. Em alemão: p. 64; em português: p. 65. (Coleção ‘Viagens da Voz’)

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