Presumindo que haja
mais complexidade na definição de um estado de felicidade plenamente estável –
o ser feliz – do que na de um outro algo circunstancial – o estar feliz –,
grafei, na tradução abaixo, a primeira forma naqueles pontos em que a
conjugação do verbo “to be” congrega-se à palavra “happy”, isto porque, em
tese, seria menos difícil a um guri assentir quanto à segunda forma do que em
relação à primeira, distintamente de um adulto – como resultará patente ao
internauta, finda a leitura do poema de Levine.
Veja-se que, no
momento presente, o poeta mostra-se capaz de perceber toda a extensão da
pergunta que o pai lhe propôs na infância – se era feliz: a linguagem já agora
está à altura do nível de consciência do falante, conjuntura que, no desdobrar dos
fatos, somente ao genitor revestia-se de ampla correspondência.
Sob as estrelas
piscantes – olhos diminutos testemunhas do encontro –, pai e filho não passam
de crianças. Nesse estado de pura brandura, o pai antevê a necessidade de
proteger o seu rebento, ante a inevitabilidade da perda da pureza ou da
inocência mais alguns anos à frente, ou mesmo diante da finitude da existência.
J.A.R. – H.C.
Philip Levine
(1928-2015)
Starlight
My father stands in
the warm evening
on the porch of my
first house.
I am four years old
and growing tired.
I see his head among
the stars,
the glow of his
cigarette, redder
than the summer moon
riding
low over the old
neighborhood. We
are alone, and he
asks me if I am happy.
“Are you happy?” I
cannot answer.
I do not really
understand the word,
and the voice, my
father’s voice, is not
his voice, but
somehow thick and choked,
a voice I have not
heard before, but
heard often since. He
bends and passes
a thumb beneath each
of my eyes.
The cigarette is
gone, but I can smell
the tiredness that
hangs on his breath.
He has found nothing,
and he smiles
and holds my head
with both his hands.
Then he lifts me to
his shoulder,
and now I too am
among the stars,
as tall as he. Are
you happy? I say.
He nods in answer,
Yes! oh yes! oh yes!
And in that new voice
he says nothing,
holding my head tight
against his head,
his eyes closed up
against the starlight,
as though those tiny
blinking eyes
of light might find a
tall, gaunt child
holding his child
against the promises
of autumn, until the
boy slept
never to waken in
that world again.
Pai e Filho
(Lutz Baar: artista
sueco)
Luz das Estrelas
Meu pai está de pé no
cálido anoitecer
na varanda da minha
primeira casa.
Tenho quatro anos e
estou ficando cansado.
Vejo sua cabeça entre
as estrelas,
o brilho de seu
cigarro, mais rubro
do que a lua de verão
pairando
baixo sobre o antigo bairro.
Estamos
sozinhos e ele me pergunta
se sou feliz.
És feliz? Não sou
capaz de lhe responder.
Não compreendo
realmente a palavra
e a voz, a voz do meu
pai, não é
a sua voz, mas um quê
de denso e abafado,
uma voz que nunca
tinha ouvido antes, mas
que passei a ouvir
desde então. Inclina-se e passa
o polegar por baixo
de cada um dos meus olhos.
O cigarro se foi, mas
posso perceber
o cansaço que se lhe
agarra à respiração.
Nada encontrou, sorri
e segura minha cabeça
com ambas as mãos.
Levanta-me então à
altura de seus ombros,
e agora também estou
entre as estrelas,
tão alto quanto ele. És
feliz? pergunto-lhe.
Acena-me em resposta:
Sim! Oh sim! Oh sim!
E com aquele nova voz
nada diz,
segurando-me a cabeça
contra a dele,
seus olhos fechados contra
a luz das estrelas,
como se aqueles diminutos
e piscantes olhos de luz
pudessem alcançar uma
criança alta e macilenta
segurando seu filho
contra as promessas
do outono, até que o
menino dormisse
para nunca mais
despertar naquele mundo.
Referência:
LEVINE, Philip.
Starlight. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to
Reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest &
Harcout, 2001. p. 288-289.
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Até que em fim depos de muito tempo procurando consegui achar um blog descente que fale sobre literatura.
ResponderExcluirPrezado(a),
ExcluirAgradeço-lhe pelo comentário, embora reconheça haver muitos outros sítios e blogs na grande rede com méritos semelhantes ou até mais dignos de apreço.
Espero continuar despertando, em internautas como você, o interesse pela beleza das palavras, ou melhor, da poesia que por meio delas somos capazes de desvelar no quotidiano.
João A. Rodrigues