Parte e observador do que se passa no fundo do mar, vale dizer, um encontro amoroso plasmado entre seres marinhos multicoloridos e ondulações de massas d’água, o falante revela-se o descritor de uma paisagem presumivelmente onírica, mas que se pretende real, pois que os peixes à volta do escafandrista – o privilegiado espreitador do cenário –, conspiram para fazê-lo adormecer.
Nesse encontro furtivo noturno sob os mares, os amantes esperam que não surja a aurora – esse vestígio de “irrealidade” –, levando-os a ter que subir à superfície: presencia-se, assim, uma metamorfose às avessas, de seres terrestres que se convertem (ou se pretendem) subaquáticos, passando a viver num mundo lendário, em companhia de sereias e de borboletas de ocorrência milenária.
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
Os amantes submarinos
Esta noite eu te encontro nas solidões de coral
Onde a força da vida nos trouxe pela mão.
No cume dos redondos lustres em concha
Uma dançarina se desfolha.
Os sonhos da tua infância
Desenrolam-se da boca das sereias.
A grande borboleta verde do fundo do mar
Que só nasce de mil em mil anos
Adeja em torno a ti para te servir,
Apresentando-te o espelho em que a água se mira,
E os finos peixes amarelos e azuis
Circulando nos teus cabelos
Trazem pronto o líquido para adormecer o
escafandrista.
Mergulhamos sem pavor
Nestas fundas regiões onde dorme o veleiro,
À espera que o irreal não se levante em aurora
Sobre nossos corpos que retornam às águas do
paraíso.
Amor Subaquático
(Anupam Pal: artista indiano)
Referência:
MENDES, Murilo. Os amantes submarinos.
In: __________. O menino experimental: antologia. 2. ed. São Paulo, SP:
Summus, 1979. p. 335.
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