Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Pablo Neruda - Ode a um Relógio na Noite

Moer e cortar afanosamente o tempo são encargos de um relógio, no transcurso das noites que o poeta, num sono permeado por imagens a memorar bosques e herdades, adormece com sua amada: de um simples objeto do cotidiano, Neruda transpõe realidades que bem ilustram o transitório e o contingente na natureza e, por extensão, no existir humano.

Naquilo que excisa o tempo, o relógio faz pender os “minutos como folhas, fibras de tempo partido, pequenas e negras penas”. Por que será que, diante de um relógio, sentimo-nos como se um quinhão de nossa liberdade houvesse sido arrestado, parte de nós mesmos migrado para terras ignotas, de onde jamais empreenderiam viagem de volta?! Sugestão de leitura sobre tema correlato: “A Lentidão”, romance-ensaio do tcheco Milan Kundera.

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Oda a un Reloj en la Noche

 

En la noche, en tu mano

brilló como luciérnaga

mi reloj.

su cuerda:

como un susurro seco

salía

de tu mano invisible.

Tu mano entonces

volvió a mi pecho oscuro

a recoger mi sueño y su latido.

 

El reloj

siguió cortando el tiempo

con su pequeña sierra.

Como en un bosque

caen

fragmentos de madera,

mínimas gotas, trozos

de ramajes o nidos,

sin que cambie el silencio,

sin que la fresca oscuridad termine,

así

siguió el reloj cortando

desde tu mano invisible,

tiempo, tiempo,

y cayeron

minutos como hojas,

fibras de tiempo roto,

pequeñas plumas negras.

 

Como en el bosque

olíamos raíces,

el agua en algún sitio desprendía

una gotera gruesa

como una uva mojada.

Un pequeño molino

molía noche,

la sombra susurraba

cayendo de tu mano

y llenaba la tierra.

Polvo,

tierra, distancia

molía y molía

mi reloj en la noche,

desde tu mano.

 

Yo puse

mi brazo

bajo tu cuello invisible,

bajo su peso tibio,

y en mi mano

cayó el tiempo,

la noche,

pequeños ruidos

de madera y de bosque,

de noche dividida,

de fragmentos de sombra,

de agua que cae y cae:

entonces cayó el sueño

desde el reloj y desde

tus dos manos dormidas,

cayó como agua oscura

de los bosques,

del reloj

a tu cuerpo,

de ti hacia los países,

agua oscura,

tiempo que cae

y corre

adentro de nosotros.

 

Y así fue aquella noche,

sombra y espacio, tierra

y tiempo,

algo que corre y cae

y pasa.

Y así todas las noches

van por la tierra,

no dejan sino un vago

aroma negro,

cae una hoja,

una gota

en la tierra

apaga su sonido,

duerme el bosque, las aguas,

las praderas,

las campanas,

los ojos.

 

Te oigo y respiras,

amor mío,

dormimos.

 

Relógio Antigo

(Anatoly Baratynsky: pintor russo)

 

Ode a um Relógio na Noite

 

Na noite, em tua mão

brilhou feito um vaga-lume

o meu relógio.

Ouvi

a sua corda:

como um seco sussurro

saía

de tua mão invisível.

Tua mão então

retornou-me ao peito escuro

para recolher meu sono e o seu pulsar.

 

O relógio

seguiu a cortar o tempo

com sua pequena serra.

Como em um bosque

caem

fragmentos de madeira,

mínimas gotas, pedaços

de galhos ou ninhos,

sem que se perturbe o silêncio,

sem que a fria escuridão termine,

assim

seguiu o relógio a cortar,

desde a tua invisível mão,

o tempo, o tempo,

e caíram

minutos como folhas,

fibras de tempo partido,

pequenas e negras penas.

 

Uma vez que no bosque

sentíamos o olor das raízes,

a água em algum lugar desprendia

um denso gotejar

como uma uva molhada.

Uma pequena azenha

moía à noite,

a sombra sussurrava

caindo de tua mão

e enchia a terra.

Pó,

terra, distância

moía e moía

meu relógio na noite,

a partir da tua mão.

 

Pus

meu braço

sob teu colo invisível,

sob o calor do seu peso,

e em minha mão

caiu o tempo,

a noite,

pequenos ruídos

de madeira e de bosque,

de noite dividida,

de fragmentos de sombra,

de água que cai e cai:

então o sono caiu

a partir do relógio e de

tuas mãos adormecidas,

caiu como água escura

dos bosques,

do relógio

para o teu corpo,

de ti até os países,

água escura,

tempo que cai

e corre

por dentro de nós.

 

E assim foi aquela noite,

sombra e espaço, terra

e tempo,

algo que corre e cai

e passa.

Assim é que se passam

todas as noites sobre a terra,

não deixam senão um vago

aroma negro,

cai uma folha,

uma gota

na terra

apaga o seu som,

adormece o bosque, as águas,

as pradarias,

os sinos,

os olhos.

 

Ouço-te e respiras,

amor meu,

dormimos.


Referência:

NERUDA, Pablo. Ode a un reloj en la noche. In: __________. Selected odes of Pablo Neruda. Translated, with an introduction by Margaret Sayers Peden. A bilingual edition: Spanish x English. Berkeley, CA: University of California Press, 1990. p. 120, 122, 124 and 126.

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