Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Dylan Thomas - Houve um Salvador

O mínimo que se poderia dizer deste poema de Thomas, pejado de símbolos e de associações religiosas reconditamente pessoais, é que se mostra densamente verbal e por demais enigmático – quer o poeta assim o tenha tencionado quer não –, sendo deveras complexo para se lhe desvendar as intertextualidades em primeira vista, exceto por alguns laivos que, aqui e ali, e pelo título, evocam a figura de Cristo.

A escrita dos versos condensa certa estrutura apocalíptica, e tal como a mensagem lavrada no correlato livro bíblico, suscita uma panóplia de interpretações devido às suas múltiplas camadas de referência, desde as que o veem como um libelo elegíaco em tempo de guerra, até as que nele vislumbram algum preceito de confraternidade entre os homens.

J.A.R. – H.C.

 

Dylan Thomas

(1914-1953)

 

There Was a Saviour

 

There was a saviour

Rarer than radium,

Commoner than water, crueller than truth;

Children kept from the sun

Assembled at his tongue

To hear the golden note turn in a groove,

Prisoners of wishes locked their eyes

In the jails and studies of his keyless smiles.

 

The voice of children says

From a lost wilderness

There was calm to be done in his safe unrest,

When hindering man hurt

Man, animal, or bird

We hid our fears in that murdering breath,

Silence, silence to do, when earth grew loud,

In lairs and asylums of the tremendous shout.

 

There was glory to hear

In the churches of his tears,

Under his downy arm you sighed as he struck,

O you who could not cry

On to the ground when a man died

Put a tear for joy in the unearthly flood

And laid your cheek against a cloud-formed shell:

Now in the dark there is only yourself and myself.

 

Two proud, blacked brothers cry,

Winter-locked side by side,

To this inhospitable hollow year,

O we who could not stir

One lean sigh when we heard

Greed on man beating near and fire neighbour

But wailed and nested in the sky-blue wall

Now break a giant tear for the little known fall,

 

For the drooping of homes

That did not nurse our bones,

Brave deaths of only ones but never found,

Now see, alone in us,

Our own true strangers’ dust

Ride through the doors of our unentered house.

Exiled in us we arouse the soft,

Unclenched, armless, silk and rough love that breaks all rocks.

 

A Tirania do Tempo

(William D. Higginson: artista canadense)

 

Houve um Salvador

 

Houve um salvador

Mais raro do que o rádio,

Mais comum do que a água, mais cruel do que a verdade;

Atraídas por suas palavras,

As crianças se protegiam do sol

Para ouvir a nota de ouro rodopiar num sulco,

Prisioneiras de desejos trancavam seus olhos

Nas celas e gabinetes de seus sorrisos sem chave.

 

Desde um ermo perdido

Diz a voz das crianças

Que devia haver calma em sua segura inquietação.

Quando o homem adverso feria

O homem, o animal ou o pássaro

Ocultamos nossos temores nesse sopro assassino,

Silêncio, silêncio a ser cumprido, quando a Terra cresceu ruidosa,

Nos refúgios e asilos do tremendo alarido.

 

Havia glória a ser ouvida

Nas igrejas de suas lágrimas,

Suspiravas toda vez que o seu braço peludo te golpeava,

Oh, tu que não pudeste chorar

Sobre a terra quando um homem morria

Verteste uma lágrima de júbilo no dilúvio sobrenatural

E reclinaste a face numa concha em forma de nuvem:

Agora estamos sós, tu e eu, na escuridão.

 

Dois sombrios e arrogantes irmãos,

Aferrolhados lado a lado pelo inverno,

Gritam a esse inóspito ano desértico,

Oh, nós que sequer podíamos exalar

Um tíbio suspiro quando ouvimos

Pulsar a cupidez em nosso próximo e o fogo no vizinho

Mas aninhados e gemebundos na parede azul do céu

Vertemos agora uma lágrima imensa pela queda quase ignorada,

 

Pelo declínio dos lares,

Que não amamentam nossos ossos,

Nossa genuína poeira de estrangeiros

Nem as mortes indômitas de uns poucos a quem jamais encontramos,

Cavalgar através das portas de nossa casa inviolada,

Vemos agora, solitários em nós,

Exilados em nós mesmos, despertamos o tenro,

Desenfreado, indefeso, sedoso e áspero amor que espedaça todas as rochas.


Referências:

Em Inglês

THOMAS, Dylan. The force that through the green fuse drives the flower. In: __________. Collected poems: 1934-1952. 1st ed.; 12th rep. London, EN: J. M. Dent & Sons Ltd., may 1959. p. 125-126.

Em Português

THOMAS, Dylan. A força que impele a flor através do verde estopim. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. Poemas reunidos: 1934-1953. Editados pelos professores Walford Davies e Ralph Maud. Tradução e introdução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1991. p. 95-96.

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