O mínimo que se poderia dizer deste poema de Thomas, pejado de símbolos e de associações religiosas reconditamente pessoais, é que se mostra densamente verbal e por demais enigmático – quer o poeta assim o tenha tencionado quer não –, sendo deveras complexo para se lhe desvendar as intertextualidades em primeira vista, exceto por alguns laivos que, aqui e ali, e pelo título, evocam a figura de Cristo.
A escrita dos versos condensa certa estrutura apocalíptica, e tal como a mensagem lavrada no correlato livro bíblico, suscita uma panóplia de interpretações devido às suas múltiplas camadas de referência, desde as que o veem como um libelo elegíaco em tempo de guerra, até as que nele vislumbram algum preceito de confraternidade entre os homens.
J.A.R. – H.C.
Dylan Thomas
(1914-1953)
There Was a Saviour
There was a saviour
Rarer than radium,
Commoner than water, crueller than truth;
Children kept from the sun
Assembled at his tongue
To hear the golden note turn in a groove,
Prisoners of wishes locked their eyes
In the jails and studies of his keyless smiles.
The voice of children says
From a lost wilderness
There was calm to be done in his safe unrest,
When hindering man hurt
Man, animal, or bird
We hid our fears in that murdering breath,
Silence, silence to do, when earth grew loud,
In lairs and asylums of the tremendous shout.
There was glory to hear
In the churches of his tears,
Under his downy arm you sighed as he struck,
O you who could not cry
On to the ground when a man died
Put a tear for joy in the unearthly flood
And laid your cheek against a cloud-formed shell:
Now in the dark there is only yourself and myself.
Two proud, blacked brothers cry,
Winter-locked side by side,
To this inhospitable hollow year,
O we who could not stir
One lean sigh when we heard
Greed on man beating near and fire neighbour
But wailed and nested in the sky-blue wall
Now break a giant tear for the little known fall,
For the drooping of homes
That did not nurse our bones,
Brave deaths of only ones but never found,
Now see, alone in us,
Our own true strangers’ dust
Ride through the doors of our unentered house.
Exiled in us we arouse the soft,
Unclenched, armless, silk and rough love that
breaks all rocks.
A Tirania do Tempo
(William D. Higginson: artista canadense)
Houve um Salvador
Houve um salvador
Mais raro do que o rádio,
Mais comum do que a água, mais cruel do que a
verdade;
Atraídas por suas palavras,
As crianças se protegiam do sol
Para ouvir a nota de ouro rodopiar num sulco,
Prisioneiras de desejos trancavam seus olhos
Nas celas e gabinetes de seus sorrisos sem chave.
Desde um ermo perdido
Diz a voz das crianças
Que devia haver calma em sua segura inquietação.
Quando o homem adverso feria
O homem, o animal ou o pássaro
Ocultamos nossos temores nesse sopro assassino,
Silêncio, silêncio a ser cumprido, quando a Terra
cresceu ruidosa,
Nos refúgios e asilos do tremendo alarido.
Havia glória a ser ouvida
Nas igrejas de suas lágrimas,
Suspiravas toda vez que o seu braço peludo te
golpeava,
Oh, tu que não pudeste chorar
Sobre a terra quando um homem morria
Verteste uma lágrima de júbilo no dilúvio
sobrenatural
E reclinaste a face numa concha em forma de nuvem:
Agora estamos sós, tu e eu, na escuridão.
Dois sombrios e arrogantes irmãos,
Aferrolhados lado a lado pelo inverno,
Gritam a esse inóspito ano desértico,
Oh, nós que sequer podíamos exalar
Um tíbio suspiro quando ouvimos
Pulsar a cupidez em nosso próximo e o fogo no
vizinho
Mas aninhados e gemebundos na parede azul do céu
Vertemos agora uma lágrima imensa pela queda quase
ignorada,
Pelo declínio dos lares,
Que não amamentam nossos ossos,
Nossa genuína poeira de estrangeiros
Nem as mortes indômitas de uns poucos a quem jamais
encontramos,
Cavalgar através das portas de nossa casa
inviolada,
Vemos agora, solitários em nós,
Exilados em nós mesmos, despertamos o tenro,
Desenfreado, indefeso, sedoso e áspero amor que
espedaça todas as rochas.
Referências:
Em Inglês
THOMAS, Dylan. The force that through the green fuse drives the flower. In: __________. Collected poems: 1934-1952. 1st ed.; 12th rep. London, EN: J. M. Dent & Sons Ltd., may 1959. p. 125-126.
Em Português
THOMAS, Dylan. A força que impele a
flor através do verde estopim. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. Poemas
reunidos: 1934-1953. Editados pelos professores Walford Davies e Ralph
Maud. Tradução e introdução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro, RJ: José
Olympio, 1991. p. 95-96.
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