Uma profusão de poemas já exibiu o coração como objeto de desvelo, a grande maioria – é verdade – não exatamente dirigida a especificar-lhe a estrutura física ou o funcionamento. Mas o que dizer de versos que devotam-se a esmiuçar ossos e tendões que compõem o pé humano – esse “improvável suporte” que nos equilibra e nos deixa aprumados?!
O poema quase se parece a uma aula de anatomia humana, mais especificamente de uma região que, juntamente com a das mãos, abarcam mais da metade dos ossos do corpo. Ao fim, uma espécie de digressão em fuga: nossas unhas, dispostas em curvas, relembrariam as garras “selvagens e necessárias” da criatura ancestral de onde partimos.
J.A.R. – H.C.
Alice Jones
(n. 1949)
The Foot
Our improbable support, erected
on the osseus architecture
of the calcaneous, talus, cuboid,
navicular, cuneiforms, metatarsals,
phalanges, a plethora of hinges,
all strung together by gliding
tendons, covered by the pearly
plantar fascia, then fat-padded
to form the sole, humble surface
of our contact with earth.
Here’s the body’s broadest tendon
anchors the heel’s fleshy base,
the finely wrinkled skin stretches
forward across the capillaried arch,
to the ball, a balance point.
A wide web of flexor tendons
and branched veins maps the dorsum,
fades into the stub-laden bone
splay, the stuffed sausage sacks
of toes, each with a tuft
of proximal hairs to introduce
the distal nail, whose useless
curve remembers an ancestor,
the vanished creature’s wild
and necessary claw.
Bailarina
(Andrew Atroshenko: pintor russo)
O Pé
Nosso improvável suporte, erigido
sobre a arquitetura óssea
do calcâneo, tálus, cuboide,
navicular, cuneiformes, metatarsais,
falanges, uma pletora de articulações,
todas encordoadas por deslizantes
tendões, cobertas pela fáscia plantar
perolada, então estopada de gordura
para formar a única e humilde superfície
de nosso contato com a terra.
Aqui está o tendão mais largo do corpo
a ancorar a base carnuda do calcanhar,
a pele finamente enrugada que se estende
para a frente através do arco capilarizado,
até a bola – um ponto de equilíbrio.
Uma ampla rede de tendões flexores
e veias ramificadas mapeia o dorso,
dispersando-se na extensão óssea repleta
de pontas – os dedos que nem embutidos
involucrados –, cada qual com um tufo
de pelos proximais para introduzir
a unha distal, cuja curvatura
inútil relembra um ancestral –
a selvagem e necessária garra
da criatura desaparecida.
Referência:
JONES, Alice. The foot. In: MAYES,
Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and writing
poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 42-43.
Nenhum comentário:
Postar um comentário