Enigmática: é o mínimo que se pode dizer desta seção do Cântico, elaborada pelo poeta canadense. Dos atilhos da relatividade em associação ao mundo das ideias ou das formas platônicas, até o pueril afã de pretender paralisar o fluxo do tempo, tem-se a sensação de que o ente lírico, ainda que tudo à volta revele alguma bonança, soçobra num vórtice que degrada-lhe a integridade do ser, prostituindo-o, levando a albergar-se na “sonolência” do mal.
O mundo teria perdido o seu encantamento, basta ver que já não se encontra povoado por deuses a se imiscuírem em humanas intrigas. Nesse contexto, tomam parte na vida do falante elementos de ventura, de harmonia e de compaixão, mas também de pesar, de infesto, de daninho. Seu ser é um amálgama indissolúvel com a condição de estar: “Sei / Onde estou por saber onde estive. (...) O que sou é onde estou”. A cada paragem, um outro ser; e a cada momento, o presente do passado evocado pela memória!
J.A.R. – H.C.
J. Michael Yates
(1938-2019)
Canticle for Electronic Music: Canto
Six
Speed is the Plato of time and space.
All else is distance and delay.
Some prostitutions are bolder than others.
Which music is for the lean rams
Feeding among the high violet peaks?
There’s a hole in the bottom of our rag-bag of
gods.
Dream water has been still and clear.
No real surface to drown in: all
Watch the rim-rider riding on the rim.
I would lose what I never had:
Certain fish: uncertain fate. I know
Where I am by where I have been.
She strayed into one of the silente
Mountain ranges between my words.
Both salmon and fish-wheel are within me.
What hasn’t been; I begot myself on that daughter.
And that other incest: I’ve sired myself
Also upon what, perhaps, was – that mother.
I’ve stolen the cold brass keys to all my clocks.
All the calm moonlit sea pours quietly
Down a bottomless crater at the center.
What I am is where I am.
A quest of sudden flooding evil.
A search for the tse-tse fly.
O Campo Lavrado
(Joan Miró: artista espanhol)
Cântico para Música Eletrônica: Canto
Seis
A velocidade é o Platão de tempo e espaço.
Tudo mais é distância e dilação.
Certas prostituições são mais corajosas que outras.
Que música é para o magro carneiro
Pastando entre os altos picos violeta?
Há um buraco no fundo de nosso surrão de deuses.
A água do sonho tem sido quieta e clara.
Nenhuma superfície real em que afogar-se: todo o
mundo
Olha o ginete da margem cavalgando pela margem.
Eu perderia o que nunca tive:
O peixe certo: o incerto fado. Sei
Onde estou por saber onde estive.
Ela vagava no íntimo de uma das silenciosas
Cordilheiras entre minhas palavras.
Ambos, salmão e peixe-roda estão dentro de mim.
O que não foi; gerei a mim mesmo nessa filha.
E aquele outro incesto: Engendrei a mim mesmo
Também sobre o que tenha sido, talvez – aquela mãe.
Roubei as frias chaves de latão de todos os meus
relógios.
Todo o calmo enluarado mar derrama-se quietamente
Por uma cratera sem fundo no centro.
O que sou é onde estou.
Uma busca de súbita torrente do mal.
Uma procura da mosca do sono.
Referência:
YATES, J.
Michael. Canticle for electronic music: canto six / Cântico para música
eletrônica: canto seis. Tradução de Darcy Damasceno. In: KEYS, Kerry Shawn
(Ed.). Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia
bilíngue. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 248; em português: p. 249.
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