Aqui temos o cão não como a muitos se parece, bicho fiel no limite da subserviência, mas, pelo contrário, a conhecer os limites de seu dono, compadecendo-se dele, consolando-o com o seu afeto semelhante a uma esmola: imaturo é o animal humano, incapaz de descansar sobre quatro patas, ainda que ébrio.
O falante vê o cão a interpretar o homem feito um “louco de boa memória”, pois que inepto para esquecer o transcorrido, mediato ou imediato, pondo-se a sofrer por sua infausta história, nem sempre de momentos “arcos do triunfo” – como diria Pessoa –, antes, repleta de batalhas perdidas, cujas memórias em melhor situação estariam se apagadas.
J.A.R. – H.C.
Bueno de Rivera
(1911-1982)
O Cão e o Homem
O homem é visto pelo cão
como um animal imaturo
que não descansa nunca em quatro patas
mesmo estando bêbedo.
O cão sabe que todo o homem
é um louco de boa memória
que não consegue esquecer
o ontem, o antes e o acontecer.
Por isso, o cão compadece-se
dele e o acompanha e o consola.
E dá ao homem todo esse afeto
como uma esmola.
Retrato de homem com um cão
(Bartolomeo Passerotti: pintor italiano)
Referência:
RIVERA, Bruno. O cão e o homem. In:
__________. Melhores poemas: Bueno de Rivera. Seleção de Affonso Romano
de Sant’Anna. São Paulo, SP: Global, 2003. p. 149. (‘Os Melhores Poemas’; n.
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