Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 19 de setembro de 2021

Lisel Mueller - O que o Cão Talvez Ouça

A existência e a realidade para o cão e para o homem são bastante distintas, em razão de o animal ser capaz de ouvir sons em frequências que, para nós, são inaudíveis: a poetisa graceja na menção de ruídos que ficariam abaixo do limite de audição humana – da ordem de 20 hertz –, assim como acima – na casa dos 20 mil hertz.

O mundo se altera, as coisas surgem inopinadamente à nossa frente, sem nos darmos conta de que, bem antes, estavam sendo engendradas pela natureza: na amplitude de sua capacidade auditiva, o cão leva o seu dono-falante a conjecturar quais seriam os sons que ele percebe e que o tornam mais hábil a capturar com antecedência a dinâmica de seu meio.

J.A.R. – H.C.

 

Lisel Mueller

(1924-2020)

 

What the Dog Perhaps Hears

 

If an inaudible whistle

blown between our lips

can send him home to us,

then silence is perhaps

the sound of spiders breathing

and roots mining the earth;

it may be asparagus heaving,

headfirst, into the light

and the long brown sound

of cracked cups, when it happens.

We would like to ask the dog

if there is a continuous whir

because the child in the house

keeps growing, if the snake

really stretches full length

without a click and the sun

breaks through clouds without

a decibel of effort,

whether in autumn, when the trees

dry up their wells, there isn’t a shudder

too high for us to hear.

 

What is it like up there

above the shut-off level

of our simple ears?

For us there was no birth cry,

the newborn bird is suddenly here,

the egg broken, the nest alive,

and we heard nothing when the world changed.

 

Engraxate com Cão

(John George Brown: pintor anglo-americano)

 

O que o Cão Talvez Ouça

 

Se um assobio inaudível

soprado por nossos lábios

é capaz de conduzi-lo de volta até nós,

então o silêncio é talvez

o som da respiração de aranhas

ou de raízes penetrando na terra;

talvez sejam aspargos lançando-se

de cabeça em direção à luz

ou o longo ruído browniano

de taças rachadas, quando isso ocorre.

Gostaríamos de perguntar ao cão

se há um zumbido contínuo

em razão de que a criança na casa

não para de crescer, se a serpente

se estira em todo o comprimento

sem um estalido, e se o sol,

quando atravessa as nuvens,

fá-lo sem um decibel de esforço;

se acaso no outono, quando as árvores secam

seus mananciais, não haveria um frêmito

bastante alto que sejamos capazes de ouvir.

 

Como seria do outro lado,

acima do nível de corte

de nossos simples ouvidos?

Para nós não houve grito ao vir à luz,

o pássaro recém-nascido de repente está aqui,

o ovo partido, o ninho vivo,

e nada ouvimos quando o mundo mudou.


Referência:

MUELLER, Lisel. What the dog perhaps hears. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 70.

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