A existência e a realidade para o cão e para o homem são bastante distintas, em razão de o animal ser capaz de ouvir sons em frequências que, para nós, são inaudíveis: a poetisa graceja na menção de ruídos que ficariam abaixo do limite de audição humana – da ordem de 20 hertz –, assim como acima – na casa dos 20 mil hertz.
O mundo se altera, as coisas surgem inopinadamente à nossa frente, sem nos darmos conta de que, bem antes, estavam sendo engendradas pela natureza: na amplitude de sua capacidade auditiva, o cão leva o seu dono-falante a conjecturar quais seriam os sons que ele percebe e que o tornam mais hábil a capturar com antecedência a dinâmica de seu meio.
J.A.R. – H.C.
Lisel Mueller
(1924-2020)
What the Dog Perhaps Hears
If an inaudible whistle
blown between our lips
can send him home to us,
then silence is perhaps
the sound of spiders breathing
and roots mining the earth;
it may be asparagus heaving,
headfirst, into the light
and the long brown sound
of cracked cups, when it happens.
We would like to ask the dog
if there is a continuous whir
because the child in the house
keeps growing, if the snake
really stretches full length
without a click and the sun
breaks through clouds without
a decibel of effort,
whether in autumn, when the trees
dry up their wells, there isn’t a shudder
too high for us to hear.
What is it like up there
above the shut-off level
of our simple ears?
For us there was no birth cry,
the newborn bird is suddenly here,
the egg broken, the nest alive,
and we heard nothing when the world changed.
Engraxate com Cão
(John George Brown: pintor anglo-americano)
O que o Cão Talvez Ouça
Se um assobio inaudível
soprado por nossos lábios
é capaz de conduzi-lo de volta até nós,
então o silêncio é talvez
o som da respiração de aranhas
ou de raízes penetrando na terra;
talvez sejam aspargos lançando-se
de cabeça em direção à luz
ou o longo ruído browniano
de taças rachadas, quando isso ocorre.
Gostaríamos de perguntar ao cão
se há um zumbido contínuo
em razão de que a criança na casa
não para de crescer, se a serpente
se estira em todo o comprimento
sem um estalido, e se o sol,
quando atravessa as nuvens,
fá-lo sem um decibel de esforço;
se acaso no outono, quando as árvores secam
seus mananciais, não haveria um frêmito
bastante alto que sejamos capazes de ouvir.
Como seria do outro lado,
acima do nível de corte
de nossos simples ouvidos?
Para nós não houve grito ao vir à luz,
o pássaro recém-nascido de repente está aqui,
o ovo partido, o ninho vivo,
e nada ouvimos quando o mundo mudou.
Referência:
MUELLER, Lisel. What the dog perhaps
hears. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to
Reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest &
Harcout, 2001. p. 70.
Nenhum comentário:
Postar um comentário