Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 11 de setembro de 2021

Nauro Machado - Maturidade

Ao mesmo tempo que infirma o valor do passado, haja vista que sem peso ou mensagem a ser desvelada, o poeta pouca serventia atribui ao fato de estar vivo, de haver nascido, pois que se trata de um “jogo”, desde o início “travado com a certeza da perda”, da morte onipresente no calor dos dias, a derivar de uma lida inglória.

É uma forma de ceticismo para a vida que se encalhou na “maturidade”: quando se desvalida o passado, atirando-o na moenda da memória para que o converta na “volúpia do nada”, parâmetro algum nos sobeja para projetar o futuro, levando-nos a uma terra arrasada que precipita um passamento metafísico, antes mesmo que a realidade corpórea se desfaça.

J.A.R. – H.C.

 

Nauro Machado

(1935-2015)

 

Maturidade

 

Nada vale o que passou.

Nada diz o que morreu

sem terra ou caixão nenhum,

onde descansar seus ossos.

 

A ponte de Waterloo

e a valsa da despedida

são coisas do teu passado.

E o passado não tem peso.

 

Não apodrece o teu passado

no túmulo da memória,

essa pertinaz moenda

que sem cana ou mel de açúcar

 

mói o imputrescível das coisas

com suas gavetas e bocas

abrindo papéis e beijos

para a volúpia do nada.

 

Nada vale o que passou.

O que mata é o teu presente.

É a certeza do cachorro

a morrer de fato e sempre

 

(sem que dele tu soubesses

mais que o soube ele de ti)

nesse conhecimento ímpar

de pedra em arame farpado.

 

Não vale a pena nascer,

abrir-se, dar-se de fato,

para um jogo que é travado

com a certeza da perda.

 

Em: “O Calcanhar do Humano” (1981)

 

Retrato de Ambroise Vollard

(Paul Cézanne: pintor francês)


Referência:

MACHADO, Nauro. Maturidade. In: __________. Melhores poemas: Nauro Machado. Seleção de Hildeberto Barbosa Filho. São Paulo, SP: Global, 2005. p. 143-144. (Coleção “Melhores Poemas”; n. 50)

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