Ao mesmo tempo que infirma o valor do passado, haja vista que sem peso ou mensagem a ser desvelada, o poeta pouca serventia atribui ao fato de estar vivo, de haver nascido, pois que se trata de um “jogo”, desde o início “travado com a certeza da perda”, da morte onipresente no calor dos dias, a derivar de uma lida inglória.
É uma forma de ceticismo para a vida que se encalhou na “maturidade”: quando se desvalida o passado, atirando-o na moenda da memória para que o converta na “volúpia do nada”, parâmetro algum nos sobeja para projetar o futuro, levando-nos a uma terra arrasada que precipita um passamento metafísico, antes mesmo que a realidade corpórea se desfaça.
J.A.R. – H.C.
Nauro Machado
(1935-2015)
Maturidade
Nada vale o que passou.
Nada diz o que morreu
sem terra ou caixão nenhum,
onde descansar seus ossos.
A ponte de Waterloo
e a valsa da despedida
são coisas do teu passado.
E o passado não tem peso.
Não apodrece o teu passado
no túmulo da memória,
essa pertinaz moenda
que sem cana ou mel de açúcar
mói o imputrescível das coisas
com suas gavetas e bocas
abrindo papéis e beijos
para a volúpia do nada.
Nada vale o que passou.
O que mata é o teu presente.
É a certeza do cachorro
a morrer de fato e sempre
(sem que dele tu soubesses
mais que o soube ele de ti)
nesse conhecimento ímpar
de pedra em arame farpado.
Não vale a pena nascer,
abrir-se, dar-se de fato,
para um jogo que é travado
com a certeza da perda.
Em: “O Calcanhar do Humano” (1981)
Retrato de Ambroise Vollard
(Paul Cézanne: pintor francês)
Referência:
MACHADO, Nauro. Maturidade. In:
__________. Melhores poemas: Nauro Machado. Seleção de Hildeberto
Barbosa Filho. São Paulo, SP: Global, 2005. p. 143-144. (Coleção “Melhores
Poemas”; n. 50)
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